
49ª Mostra SP (2025): Eddington e Nouvelle Vague
Dois filmes, dois retratos de duas épocas: um da reinvenção do cinema, outro do negacionismo assassino
Por Luiz Joaquim | 28.10.2025 (terça-feira)
SÃO PAULO (SP) – A 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo adiantou por aqui exibições de Eddington, que entra em cartaz no circuito comercial no próximo dia 11 de novembro, pela Universal. Tendo concorrido à Palma de Ouro, este mais recente trabalho de Ari Aster (Midsommar: O mal não espera a noite) inicia com poucos sinais de que teremos um filme especial transcorrendo diante dos nossos olhos, mas, quando ele diz a que veio, apresenta-se como uma envolvente criação representativa desta terceira década do século.
Estamos na segunda quinzena de maio de 2020, e a Eddington do título é o nome de uma minúscula cidade (fictícia) no estado do Novo México, EUA. Aster faz do município uma analogia de como estava (estava?) os EUA daquele momento.
Estava com Donald Trump no final de seu primeiro mandato negando a nocividade da Covid-19 na então recém-decretada Pandemia, e sugerindo absurdos, por exemplo, como testar uma injeção de desinfetante para combater o vírus.
No caso, o Trump de Eddington é o xerife Joe (Joaquin Phoenix, sempre bom). Asmático, Joe não só se nega a usar máscara em lugares públicos como também usa de sua autoridade para estimular que outros não a use, ao contrário do que manda a lei.
Estamos próximos a uma nova eleição, e um atrito circunstância direto entre Joe e o atual prefeito Ted (Pedro Pascal), em campanha para a reeleição, estimula o xerife a entrar no páreo do cargo na prefeitura. Há ainda, no contexto, o projeto de um complexo de tecnologia a ser construído na cidade e uma fake-news envolvendo um antigo namoro entre Ted e esposa de Joe, Louise (Emma Stone).

Negacionismo vs realidade: O xerife Joe (Phoenix) a encarnação de Trumpistas.e Bolsonaristas
Some-se a essa treta ficcional criada pela cabeça de Ari Aster a medonha realidade norte-americana, em particular o caso de George Floyd, assassinado por um policial branco, que o asfixiou ajoelhando-se em seu pescoço naquele maio de 2020.
A onda de protestos Black lives matter (Vidas pretas importam) chega a Eddington ganhando proporções que ninguém imaginava e aquilo, que parecia contornável para o negacionista Joe, ganha uma proporção catastrófica.
Ainda que marque muito bem o seu ponto analítico-cinematográfico ali pela sua segunda metade, Eddington, o filme, leva um tempo para mostrar a sua pertinência cinematográfica e, embora muito bem sustentado por seu elenco de peso, a sua primeira parte não dá sinais de virulência. E, talvez, esse desequilíbrio não lhe permita ser algo maior do que realmente resultou.
NOUVELLE VAGUE – Outro título que também concorreu a Palma de Ouro no último maio foi Nouvelle vague, de Richard Linklater, com data de estreia no Brasil no próximo 11 de dezembro pela Mares Filmes.
Um dos aspectos marcantes no conjunto histórico cinematográfico de Linklater é a ideia de que algo leve e realmente divertido reina no set de filmagens deste cineasta norte-americano. É como se o sorriso da equipe do diretor, por trás das câmeras, pelo prazer de filmar, ficasse impresso no que vemos na tela.

Guillaume Marbeck, como Godard, e Linklater no set de “Nouvelle Vague”
A ideia de que algo está sendo construído divertidamente – e isto parece claro também no recente Blue moon – ganha uma nova conotação em Nouvelle vague por conta da dramatização definida aqui, calcada em informações reais, de como foram as filmagens de Acossado (1960): o revolucionário longa-metragem de estreia de Jean-Luc Godard (1930-2022).
Isto porque Linklater recria aquele momento com a leveza e a cômica (e ao mesmo tempo séria) liberdade com a qual os jovens turcos da Cahiers du Cinéma se relacionavam com o cinema.
No filme, temos o jovem Godard, presenciando a glória de François Truffaut na sessão de Os incompreendidos em Cannes e, prestes a completar 30 anos lamentando-se por ser o único da turma a ainda não ter dirigido um longa-metragem.

Zoey Deutch como Jean Seberg e Guillaume Marbeck, como Godard
Nouvelle vague, o filme, é uma deliciosa companhia àqueles cinéfilos, em particular os francófilos, desde os primeiros minutos, na apresentação de seus personagens, quando Linklater faz questão de, frontalmente, dar o nome dos personagens daquela aventura, enquanto seus atores – Guillaume Marbeck como Godard; Zoey Deutch como Jean Seberg; Aubry Dullin como Jean-Paul Belmondo; e Adrien Rouyard como Truffaut – olham diretamente para nós, espectadores no auditório do cinema.
É claro que, quanto mais conhecedor do que significou a escola francesa Nouvelle Vague, com todos os seus personagens, maior o prazer ao ver o filme de Linklater. Entretanto, Linklater foi suficientemente sábio para evitar que o oposta não impeça o espectador leigo de também se divertir com as aventuras e travessuras do deus Godard.















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