
49ª Mostra SP (2025) – Entre músicas e gritos
Dois filmes que olham para a música como instrumento de elevação da alma e um filme de horror natimorto
Por Luiz Joaquim | 27.10.2025 (segunda-feira)
SÃO PAULO (SP) – Ele está com dois filmes na programação desta 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. E não são dois filmes quaisquer. Com Blue moon, Richard Linklater esteve este ano no Festival de Berlim – e deu o prêmio de ator coadjuvante para Andrew Scott. Com Nouvelle vague, o cineasta competiu pela Palma de Ouro em Cannes.
Com distribuição comercial já garantida no Brasil pela Sony (mas ainda sem data), Blue moon dramatiza uma inebriante noite – a de 31 de março de 1943 – ao lado de Lorenz Hart (1895-1943), letrista de canções históricas que ultrapassaram o rótulo da cultura norte-americana, tornando-se clássicos mundiais como: Bewitched, bothered and bewildere; He was too good to me; Isn`t romantic?; My funny valentine e a Blue moon que dá titulo ao filme.
São canções que nasceram em parceria com o compositor musical Richard Rodgers (Scott) no contexto de uma amizade que dura mais de duas décadas. Muitos distintos entre si, Lorenz, aos 47 anos, é um boêmio baixinho, com uma calvície abrindo espaço na cabeça, desregrado, alcoólatra e dúbio quanto ao seu gênero sexual, enquanto Richard, sete anos mais jovem, é elegante, casado e pai de dois filhos.
A dupla também assinou peças teatrais marcantes na história da dramaturgia norte-americana e Blue moon, o filme, transcorre 95% no bar Sardi`s como cenário enquanto Lorentz (Ethan Hawke, em estado de graça) espera Rodgers com toda a equipe da peça teatral Oklahoma! para celebrar a estreia naquela noite.
Blue moon divide-se em duas frentes, na tagarelice divertida e rebuscadamente ácida entre Lorenz e o barman (Bobby Cannavale) mais o pianista Morty (Jonah Lees) e o escritor E. B. White (Patrick Kennedy). Todos eles são sugados pelas palavras de Lorenz destilando seu veneno contra a parceria feita entre Richard e o dramaturgo Oscar Hammerstein II (Simon Delaney), autor de Oklahoma!

O baixinho Lorenz e a sua musa Elizabeth
O veneno divide espaço, na tagarelice de Lorenz, com o seu embevecimento e desejo pela jovem aspirante à poetisa Elizabeth (Margaret Qualley). Ela é uma protegida do Lorenz a qual ele enxerga como um potencial caso amoroso, enquanto todos os outros a veem como alguém que quer pegar carona na fama do compositor/dramaturgo para ascender profissionalmente.
O roteiro e diálogos de Blue moon, de autoria de Robert Kaplow – a partir de cartas escritas de Lorenz para Elizabeth -, são primorosos e admiravelmente prazerosos, sendo conduzidos por maestria pela direção de Linklater. Por passar-se quase que inteiramente num único ambiente, o contexto criativo aqui poderia ser reduzido à ideia de um “teatro filmado”.
Ao contrário, Linkater provoca situações cinematográficas, como a do silencio no banheiro entre Lorenz e Morty, ou no close dos rostos de Lorenz e Elizabeth numa conversa privada, escondidos num guarda-volumes; ou ainda no plano fechado sobre o livro Servidão humana (1915), de William Somerset Maugham – um romance cujo personagem é quase um alter-ego de Lorenz.
Assim vamos conhecendo aos poucos Lorenz em sua profunda solidão, pela qual o compositor e dramaturgo só não naufraga por agarrar-se sofregamente à sua boia chamada ‘vaidade’.
AURORA 15 – Linklater traz dois filmes à Mostra de SP mas o brasileiro José Eduardo Belmonte conseguiu a proeza de estar com três títulos na programação do evento. Uma é Quase deserto, co-produção com os EUA, estrelado por Vinícius Oliveira (Central do Brasil); a outra é Assalto à brasileira, já exibido no Festival de Brasília; e a terceira o inédito terror Aurora 15, com Carolina Dieckmmann, Humberto Carrão, Juliano Cazarré, Marjorie Estiano, Milhem Cortaz e Olívia Torres.

Dieckmmann e Estiano em cena de “Aurora 15”
Neste último, Dieckmmann e Carrão formam um casal que visita com uma corretora (Estiano) uma mansão à venda num lugar isolado. Antes de fechar um negócio, um adolescente e seu avô invadem a propriedade fugindo de dois homens armados que afirmam precisar matar a endemoniada menina antes do anoitecer.
É curioso esse projeto, Aurora 15, que em seus intermináveis 70 minutos de duração nos leva do nada a lugar nenhum, resultando num amontoado de clichês do gênero, por uma epiléptica edição e cansativa fotografia escura que, na sessão de ontem (26), foi piorada pela projeção ruim na sala do Instituto Moreira Salles da Av. Paulista. Uma pena.
A HISTORIA DO SOM – Um dos medalhões aqui na Mostra de SP (com o pedigree “exibido na competitiva de Cannes”) é A história do som, de Oliver Hermanus, estrelado por Paul Mescal e Josh O`Connor em bela sintonia, combinando sutilezas na construção do casal proibido Lionel e David.
Em 1917 eles se conhecem no Conservatório de Música de Boston e, unidos pelo amor e sensibilidade à música Folk, ambos partem num projeto pessoal de registrar, num então moderno aparelho, as canções do gênero na voz de pessoas simples no interior de Maine.

O`Connor e Mescal em interpretação comovente
A 1ª Guerra Mundial os separa mas a paixão secreta dos dois irá pautar seus passos pelo resto de suas vidas, tecendo encontros e desencontro melancólicos que suscitam uma relação com o já clássico O Segredo de Brokeback Mountain, não apenas pelo contexto do amor reprimido, mas também pela época e o ambiente interiorano onde tudo ocorre.















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