
49º Mostra SP (2025) – Jarmusch, Kremser e Peter
Sobre encontros e desencontros
Por Luiz Joaquim | 24.10.2025 (sexta-feira)
– na foto acima, cena do segundo episódio de Pai Mãe Filha Filho, de Jim Jarmusch
SÃO PAULO (SP) – Quando foi anunciado, em 6 de setembro, que Pai mãe irmã irmão (assim mesmo, sem vírgula), de Jim Jarmusch, era o vencedor do Leão de Ouro no 82º Festival de Veneza, o veterano crítico carioca, Carlos Helí de Almeida – que cobria a premiação – fez uma brincadeira comentando em suas redes sociais: “Nem o Jim Jarmusch está acreditando nisso”.
O Helí, com a sua longa experiência cobrindo festivais, e tendo acompanhado de perto esta edição de Veneza, tem toda a autoridade para jogar essa piada pro mundo, mas independente dos outros títulos que brigaram pelo prêmio máximo do festival italiano, não se pode negar que Pai mãe irmã irmão é sim um filme admirável dentro da filmografia do cineasta norte-americano.
Ontem (23), em sessão lotada no Cinesesc (o melhor cinema da cidade?), o filme estreou na 49º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Seu título, assim sem vírgula, é uma justaposição das três partes deste filme-tríptico: “Pai”; “Mãe”; “Filha e Filho”.
Independentes uma das outras, com personagens e atores distintos, as três partes têm apenas alguns pontos de conexões em suas narrativas: os skatistas que surgem do nada, com Jarmusch desacelerando os movimentos para destacar a beleza de suas manobras; a expressão morar no “fim do mundo” (ou melhor, no “cú de judas”, como resolveu traduzir a distribuidora do filme no Brasil); o relógio Rolex falsificado; o trajeto de carro, com a rua sob a perspectiva do motorista; a reunião dos personagens em torno de alguma bebida, brindando (mesmo que seja com água); e outros.

Tom Waits, como o pai, no episódio #1
O “Pai” do primeiro episódio, nos EUA, é vivido por Tom Waits (sendo ele, e sendo ótimo) que recebe os filhos Jeff (Adam Sandler) e Emily (Mayim Bialik) em sua casa após muito tempo sem se encontrarem. A “Mãe” é vivida por Charlotte Rampling, na Irlanda, que recebe em sua casa as filhas Tim (Cate Blanchett) e Lilith (Vicky Krieps) para o encontro anual, das três, no chá da tarde. E a “Irmã” e o “Irmão” são Skye (Indya Moore) e Billy (Luka Sabbat), que estão na França, Paris, para resolver os detalhes práticos no apartamento de seus pais recém-falecidos.
Jarmush, com o seu habitual carinho pelos personagens, nos coloca em mais um estranho e reconfortante ambiente onde conhecemos suas crias por dicas mínimas a respeito de suas inter-relações, salientando a quão cômica, melancólica e, sobretudo amorosa pode ser a troca entre pais e filhos.
Com um elenco extraordinário, Jarmusch parece conseguir exatamente o que intentava ao criar Pai mãe irmã irmão: dar o ritmo e o tom agridoce próprio de encontros assim, após um longo tempo de ausência, como os que temos nas três histórias. São ritmos e tons que podem aparentar fácil de construir, mas uma olhadela cuidadosa na montagem e em pequenos gestos dos atores irão revelar a sua grandiosidade e explicar a razão pela qual queremos continuar com eles após o fim do filme.

Skye (Moore) e Billy (Sabbat): reencontro pela pela saudade
Pai mãe irmã irmão já tem distribuição garantido no circuito exibidor do Brasil, ainda sem data de estreia.
CARACOL BRANCO – Celebrado no mais recente festival de Locarno, onde levou o prêmio especial do Júri e o título de melhor atuação para a dupla de protagonistas, Caracol branco (White Snail), dirigido e escrito pelos austríacos Elsa Kremser e Levin Peter, teve sua última exibição ontem (23) na Mostra de SP.
Ainda sem distribuição comercial garantida por aqui, Caracol branco fala do encontro entre dois solitários que trabalham com o corpo, cada um a seu modo: Masha (Marya Imbro) é uma modelo bielorrussa, de 20 anos, que luta por uma chance no rico e competitivo mercado chinês. Mischa (Mikhail Senkov) trabalha num necrotério há 20 anos, ainda mora com a mãe e, nas horas vagas, ama a pintura, criando quadros invariavelmente retratando a morte.

Amizade improvável e complementar
Caracol branco não é filme simples, no sentido de conquistar rapidamente o seu espectador. Ao contrário, ele quase o rejeita nos apresentando Masha e Mischa cada um em sua silenciosa e quase desinteressante solidão. É como se o drama de cada um deles não fosse forte o suficiente para o nosso crédito, para o nosso envolvimento. Mas a produção austríaca é sólida e certa de onde quer chegar. E chega.

Mischa e Masha: deslocados do mundo
O filme está interessado no que separa e une essa dupla tão incomum: suas diferenças (de idade e física – ela magra, ele acima do peso) e suas similaridades (a condição de serem apartados do mundo e vítimas de preconceito – ela pela beleza extraordinária, ele pela profissão e pelas tatuagens cobrindo quase todo o corpo). Mais do que isso, o filme quer entender também como pode ser dar um encontro entre esses dois e fazer nascer neles aquilo que é necessário à condição humana, receber carinho, para aquecê-los em suas vidas vazias.















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