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Críticas

O ano em que meus pais saíram de férias

Segundo longa de Cao Hamburger reforça referência que temos aqui de um diretor competente

Por Luiz Joaquim | 31.10.2006 (terça-feira)

Ao acender as luzes após a projeção de “O Ano em que
Meus Pais Saíram de Férias” (Brasil, 2006), de Cao
Hamburger, a maior parte da platéia devera exclamar,
com entusiasmo para si mesma: “Que filme bom!”. Mas
por que esse segundo longa-metragem de Hamburger (de
“Castelo Ré-Tim-Bum, O Filme”, 1999) deve provocar tal
satisfação?

De forma essencial, pela simplicidade narrativa (mas
não simplória), pela valorização da essência humana e
pelo resgate de dois ícones sociais da história
recente no país: a ditadura e o tricampeonato mundial
de futebol em 1970, incluindo imagens clássicas da
final no México. Mas, não se deixe enganar, por trás
desses elementos está muito trabalho e,
particularmente, competência na distribuição dos
ingredientes ao longo de seus 110 minutos.

No enredo, temos Mauro (o excelente Michel Joelsas),
um garoto mineiro de 12 anos apaixonado por futebol
naquele ano glorioso para a Canarinha. Com os pais
envolvidos na guerrilha contra a ditadura, e tendo de
“sair de férias”, o garoto via viver com o avô (numa
participação afetiva de Paulo Autran), um judeu
ortodoxo que vive num velho edifício no bairro do Bom
Retiro, em São Paulo, cercado por estrangeiros.

A morte inesperada do avô o obriga a viver com o
vizinho Shlomo (o pernambucano Germano Haiut, em
elogiada atuação). O velho e solitário Shlomo vê,
inicialmente, no menino um peso mas o roteiro vai
sugerindo situações pequenas, do dia-a-dia, do
café-da-manhã, do banho, que une e, às vezes, afasta
os dois; sedimentando, dessa forma, uma cumplicidade
que dá corpo ao amor. Sobre o requinte simples do
roteiro vale uma informação: foi desenvolvido a quatro
mãos por quatro anos entre Hamburger, Cláudio
Galperin, Bráulio Mantovani (“Cidade de Deus” e “O
Jardineiro Fiel”) e Anna Muylaert (diretora de “Durval
Discos”).

É claro que aqueles expectadores na casa dos 40 anos
terão em “O Ano…” um elemento extra, o da
identificação, dentro do quesito envolvimento. Mas o
público de qualquer idade deverá também sair
emocionado da trajetoria de amadurecimento ‘a pulso’
pelo qual passa o garoto Mauro. Em uma seqüência em
particular, entre Mauro e sua mãe (Simone Spolidore,
de “Lavoura Arcaica”), Hamburger dá exemplo de seu
virtuosismo na direção. Com um mínimo de diálogo, a
sequência resume a idéia, pelas vistas do menino, o
que é aconchego materno e, pela vistas da mãe, a
preciosidade que é ter um filho.

Muitos devem comparar “O Ano…” às recentes produções
latino-americana, em particular a Argentina, que vem
se apropriando do sofrido contexto social dos últimos
30 anos para emoldurar seus enredos (essencialmente
focando o humano). A comparação não é equivocada, mas
acima dessa contextualização está, repito, o humano,
tornando obras assim mais universais, capazes de
dialogar bem tanto com o brasileiro quanto com um
lituano. A razão encontra-se na opção de Hamburger:
“Filmo em função do ator, e não do espaço”, disse numa
entrevista.

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