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Reportagens

Tapacurá – filmagens em 2000

A enchente que não existiu, o curta-metragem que não foi concluído. Saiba sobre as filmagens em 2000.

Por Luiz Joaquim | 22.05.2011 (domingo)

Em 1975 o Recife sofreu com sua maior cheia (enchente), que paralisou a cidade. Poucos dias depois um boato de que a barragem de Tapacurá teria estourado provocou histórica polvorosa em todos os recifenses.

Maio de 2011, semana do 15º Cine-PE, pela segunda vez, o boato que a barragem estouraria surgiu e a cidade do Recife enlouqueceu.

Resgatamos matéria publicada no Caderno C do Jornal do Commercio, em fevereiro de 2000, sobre as filmagens de um média-metragem que se chamaria ‘Tapacurá’, dirigido por Liz Donovan e Nelson Caldas Filho, tendo como assistente de direção Bidu, figurino de Marcela Bergamo, 2º assistência de direção de Leo Sette, casting de João Augusto Lyra, trilha sonora da banda Chão e Chinelo, e tendo o ator Otávio Augusto como protagonista.

O filme, infelizmente, nunca foi concluído, mas saibam de todos os detalhes de como foram as filmagens que reproduziram as cenas do desespero pelo falso tsunami que destruiria o Recife inteiro.

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fotos, cortesia de Hans V. Manteuffel
1-fev-2000 (terça-feira)

É um pássaro? É um avião? Não! É uma violenta onda de 30 metros que está vindo em direção ao Recife transformar a cidade em um enorme lago. Por alguns instantes, no já longíquo 1975, a população recifense acreditou nessa possibilidade absurda graças a um boato, não se sabe bem de onde, alardeando que a barragem de Tapacurá havia rompido.

Últimos sábados e domingos de janeiro do ano 2000: as ruas do Sol, da Aurora, a ponte Duarte Coelho e a Avenida Guararapes viraram um set de filmagem para o média-metragem “Tapacurá”, de Liz Donovan e Nelson Caldas. Durante toda a manhã e tarde do fim de semana, a equipe de produção tentou reviver, com bastante comicidade, o terror que assombrou as pessoas que transitavam no centro da cidade no momento em que explodiu a ‘notícia’.

Para dar à locação o clima dos anos 1970 , o diretor de arte Rodrigo Linck providenciou que o nome Pokémon desse lugar a Terremoto (Earthquake, 1974) nos letreiros do Cine São Luiz. Esse longa-metragem mostrava o drama de várias pessoas durante um abalo sísmico em Los Angeles. A produção hollywoodiana estava, curiosamente, em cartaz no extinto Cine Moderno na época do boato.

“Tapacurá” não deixa de ser uma crítica irônica àquele instante na história do Brasil. O país mantido uma organização social conturbada e um delicado momento político. A súbita invasão de filmes-catástrofes – como “Inferno na Torre”, “Tubarão”, “Inferno em Alto Mar”, “Aeroporto 75” – ajudou as pessoas a dispersar a atenção dos problemas mais reais.

Faziam apenas dois dias que as águas da maior ‘cheia’ (alagamento) que assolou o Recife, em julho de 75, tinham baixado. “É com imagens de arquivo da TV sobre essa tragédia que o média-metragem deve iniciar”, adianta a diretora. “Veremos a população ainda limpando suas casas, contabilizando as perdas e já comentando temerosamente que se a barragem estourasse, Recife virava mar”.

FICÇÃO – Para aumentar ainda mais sua comicidade, “Tapacurá” apresenta, paralelo às cenas de pânico no centro, os sonhos de seu Oswaldo (Otávio Augusto). Ele é o chefe de uma família emergente que se endinheirou nos anos da repressão e sonha com uma nova casa no então bairro luxuoso da época: Boa Viagem. O desejo dele é, literalmente, tirar o pé da lama.

Para completar o escracho, seu Oswaldo está prestes a fechar um negócio com uma pilantra americana. Ela tenta lhe repassar o controle da falida cadeia de lanchonetes “McDonovan’s”. Tudo vai por água abaixo quando a empregada protestante da família escuta no rádio sobre a balbúrdia na cidade. Nessa hora, cada elemento da família dá um hilariante rumo em suas vidas.

Mas as cenas, com a família de seu Oswaldo, vão ficar para um outro momento. “Estamos com dificuldade de conseguir recursos. Algumas empresas ainda se mostram reticentes em investir no projeto, mas insistiremos porque sabemos da qualidade do nosso trabalho”, comenta Nelson Caldas Filho.

O roteiro de “Tapacurá” foi premiado em 1999 no Festival de Cinema do Recife [atual Cine-PE] com a locação de equipamentos da Quanta; ajuda da Kodak com 12 latas de filmes em 16mm; câmera; captação de som, telecinagem na Casablanca Finish. Até o momento, a única empresa que apostou no projeto foi a Celpe, com R$ 20 mil. A intenção era lançar o filme na IV edição do Festival. “Gostaríamos de cumprir esse prazo, mas isso só aconteceria se o empresariado despertasse para investir em cinema”, realça o diretor.

Pânico, álvoroço, correria… e muito riso – Todas as cenas produzidas no último fim de semana para “Tapacurá” diziam respeito ao instante de pânico que assolou o Recife em 1975. Para ilustrar tanto desespero num dos mais marcantes cartões-postais da capital pernambucana – a região que compreende as ruas da Aurora, do Sol, Ponte Duarte Coelho e Av. Guararapes – o roteiro previa um numero aproximado de 20 cenas de alvoroço e muita gritaria.

As primeiras tomadas aconteceram no sábado, sem que o trânsito fosse interrompido. “Por conta dessa limitação, tivemos que fazer planos fechados, como o de correria na calçada da ponte e a da senhora que tenta subir em um poste, na esquina da rua do Sol com a Av. Guararapes para não morrer afogada”, conta Leonardo Sette, 2° assistente de câmera.

No domingo, a equipe tinha total liberdade nos logradouros do centro. A primeira filmagem começou às 8h e mostrava um pescador tentando vender caranguejo enquanto era quase atropelado por umas 15 pessoas que, graças ao jogo cênico, aparecia no monitor como um batalhão de gente.

Logo depois, o alvo era a fachada do cinema da rua da Aurora. “Na época do acontecimento, existia, por volta das 10h, uma sessão chamada Bossa Jovem”, conta O assistente de direção Bidu. A tomada mostrava uma fila na bilheteria, gente transitando calmamente pela cidade e um grupo de Hare Krishna entoando sua música. Quando, abruptamente, um figurante entrava no quadro e berrava: “Tapacurá estourou!”. Era a senha para começar o alvoroço. Apesar da simplicidade de sua fala, o ator improvisado emperrou na frase. Estava nervoso e cansado, explicou à direção.

“A maior dificuldade é conseguir controlar a expressão dos figurantes, que não tem experiência dramática”, falava Liz. Ficou mais penoso ainda quando começaram a captação dos detalhes. Vez por outra alguém gritava aos figurantes pelo megafone: “Vocês vão morrer! Ninguém pode rir”. Dos embaraços, o mais complicado no set era o impaciente Daniel, bebê da diretora que, aos sete meses, só queria o peito da mãe.

Mais uma cena de correria foi montada na esquina da rua da Aurora com a ponte Duarte Coelho. Desta vez envolvida um ônibus elétrico da CTU, um Karmann Ghia, Corcel, Opalas, e Fuscas entre outros carros disponibilizados pelo Clube de Automóveis Antigos de Pernambuco. Como Recife não é Hollywood, nem tudo o que aparece no filme estava na programação, um raspa-raspa que ia passando bem longe na sua bicicleta foi imediatamente convocado pelo megafone de Liz Donovan com a ordem: “Raspa-raspa volte aqui!”.

“À tarde temos uma cena muito importante com uma Kombi. Vamos mostrar um bando de freiras apavoradas abandonando o veículo e as noviças que traziam dentro do carro”, contou o diretor de elenco e figuração, João Augusto Lyra. Antes disso, o Grupo Chão e Chinelo realizou sua participação especial. “Vamos tocar ‘Linda flor da madrugada’, em homenagem a Capiba”, disse o músico Guilherme Medeiros. “A participação é uma referência irônica à orquestra do filme ‘Titanic’, que permanecia tocando enquanto a desgraça acontecia”, explicou.

O quartel-general da produção foi o edifício Santa Alice, ao lado do São Luiz. “Os Moradores colaboram de todas as formas”, frisava a produtora Carla Francine. Improvisos como esse deram margem para situações irreais, como a vivida peço Chão e Chinelo, que ficou subindo e descendo no apertado elevador do prédio enquanto passavam o som. Ainda no período da tarde, foi rodada a cena em que Pácua, vocalista da ‘Via Sat’, interpreta um ‘black power’ que jurava estar vendo onda monstruosa; e uma outra em que Fabiana Pirro cai ensandecida em frente aos Correios.

A intenção da produção era recrutar cerca de 300 figurantes para dar uma dimensão convincente do tumulto. Segundo as contas da figurinista Marcela Bergamo, pouco mais de 200 pessoas passaram pelo seu guarda-roupa. “Cheguei a juntar mais de 1000 peças”, diz. Ainda que tivesse um bom acervo, ela orientou à figuração que trouxesse suas próprias roupas ‘anos 1970’.

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