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Críticas

O Céu de Suely

Perto do céu, longe do sonho

Por Luiz Joaquim | 12.01.2007 (sexta-feira)

Não há abertura mais adequada para “O Céu de Suely” (Brasil, 2006) que a empregada pelo seu diretor Karim Aïnouz. Em silêncio, as primeiras imagens que vemos são a da felicidade aberta no rosto de Hermila (Hermila Guedes) brincando de amor com aquele que seria o pai de seu filho. A imagem, crua, granulada como as de um Super-8, adianta a secura que irá compor o resto do filme em sua narrativa e na precisão interpretativa que Aïnouz tirou de seu elenco.

Ao mesmo tempo, a imagem, remetendo ao passado, com Hermila feliz, soa como o resquício de um período inocente que será dali adiante, no filme, podado pelo abandono de seu marido. O enredo conta que Hermila volta de São Paulo à terra natal, Iguatú, sertão cearense, com o filhote Mateusinho e a promessa de que o pai do garoto chegue também dali a um mês. Ele não volta.

Encravada neste lugar transitório, onde os trens estão sempre indo para algum lugar, Hermila decide rifar o próprio corpo para levantar dinheiro e também ir dali
para algum lugar bem distante.

O que importa em “O Céu de Suely”, porém, não está tanto no que poderia ser ou deixar de ser polêmico nesta opção de Hermila, mas em como Aïnouz conduz essa
história. Cercado por profissional de extrema competência, a começar pelos atores e por Fátima Toledo, que os preparou. Daí, o cineasta cearense faz sua protagonista crescer aos poucos.

No início, Hermila, a personagem, aparece pequena, abaixo do horizonte, sob um céu enorme de possibilidades. Depois, ela cresce, torna-se um gigante na tela, diante das pequenas possibilidades que Iguatu podia lhe oferecer.

Hermila, a atriz, entretanto (assim como o resto do elenco), merece o superlativo em todos os momentos em que aparece pois, ao contrário do que se possa
imaginar, a busca pela naturalidade feito por um ator lhe é mais dolorosa que a busca pelo burlesco. Porque, sendo a interpretação do natural sempre algo
antinatural, já que é interpretação, torna assim, o ato de atingir a essencial da verdade, um martírio.

Numa seqüência em que Hermila, a personagem, chora, após apanhar da avó, vemos, logo depois, Hermila, a atriz, caminhando no escuro da rua e balbuciando.
Astutamente, Aïnouz continou registrando esta dor da atriz e incluiu estas imagens no filme.

Esta, entre outras fronteiras audaciosamente quebradas, é que faz de “O Céu de Suely” um filme memorável por mostrar a natural evolução de uma personagem diante das adversidades que a vida lhe coloca. Não importa para onde ela vai. Importa o que ela aprendeu.

E diferente de seu anterior “Madame Satã”, em cuja fotografia de Walter Carvalho (aqui também presente) a exploração do corpo dos personagens acontece como se
ali estivesse o símbolo de sua maior identidade, no novo filme Aïnouz a identidade de cada um parece estar no que eles sonham. Seja pequeno ou grande, o que
importa é construí-lo.

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