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Críticas

Shortbus

Sexo que liberta e aprisiona

Por Luiz Joaquim | 26.09.2008 (sexta-feira)

Há sete anos surgiu no cenário cinematográfico a figura de John Cameron Mitchell com o filme “Hedwig – Rock Amor e Traição”. Mitchell escreveu, dirigiu e protagonizou a história de um garoto gay (e futuro trans), louco por música pop, vivendo numa Berlim comunista. O roteiro foi adaptado pelo próprio Mitchell de uma peça off-Broadway também escrita e atuada por ele. “Hedwig” abriu um canal revigorante, pelo cinema independente norte-americano, dando voz a um universo homossexual sem que essa bandeira soasse como o quesito mais importante da dramaticidade. Na sexta-feira (3-out) chega ao Cinema da Fundação (Recife) “Shortbus” (EUA, 2006), segunda investida de Mitchell num longa-metragem.

“Shortbus” vem numa voltagem mais alta no que diz respeito a exposição sexual (aqui bem explícita) de seus atores. Vale dizer logo de saída que nenhuma delas está lá gratuitamente. Estão lá pela função de ajudar, em sua representação, a moldar melhor o perfil dos personagens. Filme abre logo com uma acrobática auto-felação de James (Paul Dawson). Ação seguida por um choro descontrolado que dá bem a dimensão da comiseração como indivíduo em que se encontra o ex-garoto de programa, casado há sete anos com Jamie (P.J. DeBoy).

Jamie, por sua vez, adora James, mas acredita na oportunidade de expandir suas experiências sexuais com outras pessoas porque quer “amar todo mundo” e “adora gente bonita”. Por mais socialmente absurdo que possa parecer o desejo de Jamie, ele é honesto em si mesmo e é autêntico. Esse é um ponto delicado que Mitchell toca com profundidade, fazendo-nos lembrar que não há benefício sem sacrifício. O preço de “amar todo mundo” pode custar a infelicidade de alguns ou o vazio de si próprio.

Na outra ponta, temos Sofia (Sook-Yin Lee), uma terapeuta sexual, que alterna a abertura do filme em cenas com seu parceiro em ato sexual. A sugestão do que se vê é que o Nirvana foi alcançado ali, mas logo vamos entender que Sofia vive uma mentira em prol da permanência do casamento. Está claro que em “Shortbus” – título que também dá nome à casa noturna ‘Arco-iris’ em Nova Iorque onde todas essas figuras se encontram – o tema é o sexo e como ele afeta diretamente a maneira de seguir a vida. A casa noturna “é como os anos 1960, só que com menos esperança”, explica o cicerone Justin Bond (por ele mesmo).

A paisagem nova-iorquina é essencial aqui. A própria megalópole é quase uma personagem. No night-club, um velho homossexual lembra que a Big Apple é tolerante, por isso é o habitat natural de artistas. NY também está na abertura, em forma de animação, e a ligação entre êxitos e insucessos sexuais dos personagens com eventuais falhas na iluminação dos ambientes, e até mesmo um black-out, sugestiona como a energia do tesão é importante na interligação de uma comunidade. Essa idéia, bem forte ao final do filme, puxa-o um pouco para baixo, numa solução um tanto fácil e feliz diante de tantos infortúnios existenciais visitados por Mitchell em seu roteiro.

A começar pelos de James, talvez a figura mais triste aqui. Ele, que registra a vida numa filmadora como uma espécie de testamento, confessa para a dominatrix Severin (Lindsay Beamish) que ao reler textos que escreveu aos 12 anos descobriu que ainda espera pelas mesmas coisas. Há, na fala, um trágico reconhecimento de sua limitação como homem maduro. Na verdade, de uma geração inteira, bem marcada em “Shortbus”. Amadurecimento atrasado pela eterna confusão entre sexo e amor, e talvez mais intensificado por uma liberdade sexual sem fronteiras, que pode tanto libertar quanto aprisionar. É também de James a triste conclusão que é infeliz porque tudo lhe “pára na pele”. Nada consegue entrar, realmente lhe tocar, daí seu vazio espiritual. É triste.

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