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Entrevistas

Entrevista: Leo Sette (Hiper-Mulheres)

Depois de Gramado, chegou a vez do Recife conhecer as Hiper-mulheres pelo Cinema da Fundação.

Por Luiz Joaquim | 09.11.2011 (quarta-feira)

Depois de muito boa performance pelos tradicionais festivais de Gramado (agosto) e Brasília (setembro), o 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife dá vez a capital pernambucana de conhecer “As Hiper-Mulheres” (hoje, às 21h30, no Cinema da Fundação). É um longa-metragem inusitado e envolvente dirigido por um trio de profissionais diferentes em sua área de atuação, mas unidos por um mesmo plano: apresentar uma realidade pelo cinema, na forma mais bela, honesta e, por que não, comovente que eles conseguissem fazer. E conseguiram.

Os três nomes que assinam a direção são o do paulista naturalizado carioca, o antropólogo Carlos Fausto, o do índio do Xingu (MT), Takumã Kuikuru, e do realizador pernambucano Leonardo Sette. Desdobrado do projeto “Vídeo nas Aldeias”, conhecido por educar e intermediar produções audiovisuais à população indígenas, “As Hiper-Mulheres” registra um ritual feminino, o Jamurikumalu, que combina danças, canções e lutas feitas unicamente pelas mulheres nas tribos da região de Takumã. A questão é que a nova geração precisa aprender o ritual, para que a cultura não desapareça.

Correndo por fora do tópico indígena, a produção chama a atenção pela legitimidade feminina no contexto do ritual e oferece algumas sequências de encher os olhos do ponto de vista cinematográfico. Para falar sobre esse resultado, o CinemaEscrito conversou com Leonardo Sette sobre a elobaração e o norte da equipe para a concretização desse complexo projeto; sobre a elaboração das imagens feitas pelos índios, e se um filme assim pode ajudar uma comunidade indígena.

Sem a história do projeto “Vídeo nas Aldeias” seria impossível exister hoje um filme como este?
Sim, é verdade. O Vídeo nas Aldeias têm cerca de 20 anos e “As Hiper-Mulheres” não é um filme que fomos lá em 2010 para gravar e já ficou pronto. Ele resulta de quase dez anos de contato com os Kuikuro (no Alto Xingu). O primeiro trabalho foi em 2002. Ali conchecemos Takumã e Mahajugi, um dos fotografos do filme. Este último participou de uma oficina na época. Devia ter 18 anos. Por essa época, Carlos (Fausto) já trabalhava com eles. Ele não procurava fazer interpretações teóricas. Tendo ele um perfil de bastante interesse pela expressão artísticas – é também fotógrafo -, Carlos fazia mais um trabalho de observação. O “Vídeo nas Aldeias”, na verdade, foi convidado pelo chefe do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e por Carlos por que já estávamos lá com um trabalho em concordância com a comunidade. Daí saíram dois curtas-metragens e o próprio Carlos se interessou pelo processo de edição de imagens. Em 2009, ele teve a ideia do registro que se tornou “As Hiper-Mulheres”, mas só em março e em setembro de 2010 fomos filmar lá. O projeto também foi aprovado por um edital do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Na época, o Vicent Carrelli (criador do “Vídeo nas Aldeias”) estava com uma sobrecarga de trabalho e, na tribo, o Takumã foi o cara que mais vestiu a camisa do projeto. Projeto que não estava previsto para ser um longa-metragem. Já eu e Carlos, nos envolvemos de forma muita desinibida. A coisa foi além de ser uma mera oficina. Quando chegou setembro do ano passado, nada garantia que teríamos o ritual, mas a coisa engrenou e muita das ‘verdades’ que vemos no filme não vieram de graça. A relação dos índios com a câmera, e a naturalidade do que se vê na frente dela é o fruto de um longo trabalho.

Vocês tinham cerca de 100 horas de imagens captadas, que norte dava direção no processo da montagem?
Queríamos fazer um filme bom e fugir da “coisa etnográfica” e evitar ‘catalogar’, ‘explicar’. Durante esse tempo todo superamos dogmas, e possíveis erros do passado, feitos há dez anos. Antes era outro tempo e não sabiamos se podiamos cortar uma cena aqui ou ali que tocava em questões etnográifcas. Agora fizemos um filme que a gente gostasse independente do gênero. Queríamos uma obra que tivesse força de convencer as pessoas de que aquilo que vimos era realmente incrível. Tínhamos a responsabilidade de filmar tudo, não perder nada, e essa prática pode se tornar um inimigo do filme. Na verdade, a narrativa corre de forma clássica, linear. Na hora de montar, deixamos de lado algumas questões da festa porque o importante era contar a história.

É um filme que foca primeiro na cultura e em questões antropológicas da situação, mas ultrapassa isso porque envolve questões essencialmente humanas. Em Brasília escutei mulheres da plateia se identidicando com as brincadeiras sexuais do ritual. Seria essa a melhor forma de aproximar o público branco do indígina, a identificação de valores?
Legal isso da identificação. Mas acho que Vincent (Carelli) talvez responderia melhor essa pergunta. Ele está por trás da causa, é um indigenista e acompanha todo esse processo histórico no País. Meu trabalho fica muito vinculado ao cinema. Tentei fazer um bom filme, e isso de criar uma identificação talvez seja uma das maneiras, não sei se a melhor.

De alguma forma vocês se surpreenderam com a qualidade cinematográfica das imagens captadas pelos índios, assim como a público dos festivais vêm se impressionando.
A gente já sabia que Takumã (fotógrafo) era talentoso. Ele caprichava. Tem um detalhe, o Xingu é a região indígena mais midiatizada. Eles aprenderam rápido a força da mídia. Em 2002, a comunidade já se via em imagens projetadas. E todos eles comentavam isso. Mas naquela época eles não se desarmavam diante da câmera. Tentavam reproduzir a ideia do “indio puro”. Eles tiravam o relógio, o chinelo, etc. Já agora, temos uma versão menos pudica. Na composição das imagens, temos travellings feitor com mais perfeição, o que potencializava as imagens criando planos mais suntuosos. Eu não aparecia muito por lá nas horas das filmagens. Recebia o material e ia montando. Lembro de ver os planos e ficar impressionado. Quando eles filmaram com uma handcam da Sony com HD interno, usando uma grande angular que não distorce tanto, eles conseguiram resultados melhor do que pessoas da cidade conseguem. Nessa simbiose, eu fui o primeiro a sentir isso e fui me empolgando.

De que forma um filme como “As Hiper-Mulheres” pode ajudar uma comunidade indígina?
Tanta coisa passa por este filme. Os outros envolvidos estão mais ligados nas questões política e social. É claro que como indivíduo tenho enorme simpatia pela causa, caso contrário nem estava envolvido nesse projeto, mas não sou, de certa forma um militante com ideias mais elaboradas. O que posso dizer é que Takumã, quando esteve em Brasília, subiu muito feliz no palco do festival, ele e o chefe da tribo. Para eles, Brasília é muito mais importante que São Paulo ou o Rio de Janeiro. Eles estavam orgulhosos. Ouço Vincent dizer que este trabalho acaba sendo mais importante pela afirmação da cultura deles. Senti lá em Brasília que as pessoas olhavam com admiração para eles, e o resultado disso é muito mais forte do que simplesmente falar a respeito deles.

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