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Críticas

Sob a Pele

Pelos olhos de uma alienígena

Por Luiz Joaquim | 15.05.2014 (quinta-feira)

Uma fotografia pode ser elogiada por aspectos dos mais diversos. Um deles é aquele no qual seu enquadramento, de tão inusitado, deixa seu observador confuso por alguns segundos até ele conseguir discernir o que retrata aquela imagem. Em “Sob a Pele” (Under de Skin, GR, 2013), a primorosa abertura criada pelo seu diretor bissexto, o londrino Jonathan Glazer, também é assim.

Adaptado pelo próprio Glazer – junto a Winter Campbell – do romance homônimo de Michel Faber, o filme que estreia hoje no Brasil pode vir a tornar-se uma referência no campo da ficção científica por conta de mostrar como um olho aguçado para as possibilidades da gramática cinematográfica podem gerar uma identidade audiovisual própria; com uma personalidade e sugestão de emoção que dificilmente se esquece e se encontra paralelo no cinema de hoje.

Só por esta última assertiva, considerando que nada parece mais original nesta era do “Ctrl C” “Ctrl V”, “Sob a Pele” deveria constar na lista obrigatória de filmes a serem vistos em 2014. E de preferência numa sala de cinema.

Ao contrário das bilionárias produções do gênero, que em sua maioria apelam unicamente aos dispendiosos e entediantes efeitos CGI, gerados por computador, a abertura de “Sob a Pele” e todas as imagens que se seguem estão lá construindo uma ambiência hipnótica porque basicamente combinam três elementos maestralmente bem casados.

Um. A perspectiva inusitada para imagens triviais mas matematicamente enquadradas, como uma fria máquina oftalmológica, ou uma paisagem sob uma fotografia ultra contrastada. Dois. O timing dos atores, em particular Scarlett Johansson como a alienígena que, circulando numa van em Edimburgo, caça vítimas. Três. A primorosa trilha sonora de Mica Levi que, com seu violino sintetizado e repetidas batidas secas facilitam nossa imersão a este lugar que não é o nosso.

Conosco na plateia tendo acesso a este lugar pelos olhos da alienígena sedutora, Glazer nos faz parecer razoável que a raça humana é mesmo muito peculiar. E o faz sem que para isso elabore uma dramaturgia especial. Bastando apenas que, assim como a alienígena, observemos em silêncio os transeuntes na rua ou num shopping escocês.

Ao custo de US$ 13 milhões – e sendo elaborado por longos 13 anos, como uma assombração que não deixava Glazer em paz -, a produção ganhou publicidade gratuita por, há poucas semanas, ter vazado na internet imagens de Johansson totalmente nua numa cena do filme.

Uma pena. “Sob a Pele” deveria ser lembrado sempre como a audácia de um realizador (o projetor original custava US$ 42 milhões) em nos oferecer a sua visão refinada de um sedutor universo que até então só existia nas palavras de Michel Faber.

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