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Críticas

Um homem entre gigantes

Ciência versus Dinheiro

Por Luiz Joaquim | 02.03.2016 (quarta-feira)

É esperto esse Um homem entre gigantes (Concussion, EUA, 2015), de Peter Landesman. Sendo seu universo o do futebol americano, aquele mesmo que pela temática assusta alguns potenciais frequentadores de cinema, principalmente no Brasil – “eu não entendo nada de futebol americano”, diriam –, temos seu enredo trazendo como protagonista um neuropatologista forense residente em Pittsburgh (Pensilvânia, EUA), de origem africana, que também não sabe nada sobre o tal esporte.

A ignorância do médico protagonista Omalu (Will Smith, bem) sobre o assunto é uma ótima muleta servindo ao roteiro para que possa ser explicado ao personagem sem constrangimento a importância do tal esporte para a cultura norte-americana, particularmente em Pittsburgh. A explicação, claro, acaba indo direito para nós, espectadores estrangeiro aos EUA, tão ignorantes quanto Omalu nesse assunto.

A proposto da explicação dessa importância, diz um coadjuvante em Um homem…: “a National Football League (NFL) é dona de uma dia da semana. Que antes pertencia à Igreja”. O personagem refere-se ao domingo, quando toda a Pittsburgh se mobiliza em torno do estádio da cidade, indo torcer pelos seus times milionários.

Trazendo para a realidade futebolística brasileira, a NLF seria o equivalente a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Há um volume de poder e dinheiro envolvendo estas duas instituição à nível nacional, que é difícil para uma cabeça leiga comensurar.

Acontece que num dos plantões do dedicado e competente legista africano Omalu, chega o corpo do suicida Mike Webster (David Morse) que, o filme paralelamente apresenta-o sofrendo de problemas psicológicos.

Webster foi um ídolo do futebol norte-americano real e, fazendo mais uma vez analogia com a realidade brasileira, o impacto da notícia de seu suicídio nos EUA seria para nós como se o Jornal Nacional abrisse divulgando que o tricampeão de mundo de futebol, Romário (hoje Deputado Federal), com cerca de 50 anos de idade, tinham cometido suicídio após viver seus últimos anos sob a patologia de uma demência.

Omanu, na autópsia para detectar a causa mortis de Webster, e após um breve exame no tecido cerebral do morto, percebe que aparentemente não havia nada de errado ali que justificasse sua demência.

Investindo do próprio bolso para aprofundar-se na investigação, Omanu faz uma inédita associação científica entre a brutalidade do impacto sofrido na cabeça pelos jogadores de futebol americano com a demência que lhes são acometidas por volta dos 50 anos. História real.

Isto é só o começo do drama mostrado em Um homem…, que daí segue para uma injusta batalha do desacreditado e vítima de preconceito Omanu contra a força do NFL, que “comprava” o silêncio dos médicos a respeito desse legado do futebol americano em seus jogadores.

Nesse sentido, Um homem… apresenta o que Hollywood gosta mais de se ater em seus dramas (e com isso encher seu cofre), ou seja, contar a história de um ‘ninguém’ que vence o sistema a partir de sua crença particular.

A certa altura, por exemplo, isso fica explícito no filme, quando o chefe de Omanu lhe diz, em outras palavras: “nada mais americano que um não-americano vencer na América”.

Dessa forma, Um homem… não consegue se desvencilhar, eventualmente, de um ou outro vício cansado, típico de dramas afins, como por exemplo: ao mostrar Omanu decepcionado com a América, mas lembrando que na adolescência, ainda morando na África, a América significava estar o mais perto possível do céu.

Ainda assim, o filme de Landesman apresenta uma dignidade rara na construção de seus personagens, muito bem defendida pelos atores, diga-se e passagem.

Omanu é inflexível em suas crenças e encontra na namorada Prema (Gugu Mbatha-Raw) – sim, eles não contariam essa história sem um par romântico – um espelho para tanta altivez.

Essa coerência moral agrada, no sentido de quase colocar o espectador diante de um E. T. de cordialidade e correção (Omanu), considerando o mundo que o cerca.

Há ainda uma beleza nas opções estéticas de Landeman, pela direção de fotografia de Savatori Totino (de “Frost/Nixon”), quando opta por detalhar partes não obvias dos corpos, em enquadramentos não óbvios. Ou ainda, quando o contexto do drama muda para um novo ambiente e a fotografia o resume num registro de não mais duas imagens para torná-lo íntimo do espectador. O espectador, enfim, é bem servido aqui.

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