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Críticas

BR 716

Sobre a origem de um apaixonado por todas as mulheres do mundo.

Por Luiz Joaquim | 16.11.2016 (quarta-feira)

Em seu primeiro filme, o incontornável Todas as mulheres do mundo (1966), Domingos Oliveira o inicia mostrando dois amigos se encontrando, por acaso, após anos sem se verem. A primeira pergunta que fazem um ao outro, simultaneamente, é: “E como vão as mulheres?”.

Cinco décadas depois, o cineasta brasileiro que ama todas as mulheres como nenhum outro lança um novo trabalho – BR 716 (Bra., 2016) – e o inicia fazendo dois amigos reencontrando-se após longos anos. A primeira pergunta que fazem um ao outro, simultaneamente, é: “E como vão as mulheres?”.

Não é apenas pela tal pergunta que as duas obras são unidos por um arco discursivo que já vem se esticando (e bem) há 50 anos no currículo do realizador. Domingos está em forma. É bom revê-lo aqui e, sim, ele irá falar em BR 716 das mulheres com a mesma elegância que lhe é própria.   

Todas as mulheres do mundo venceu a 2ª Semana do Cinema Brasileiro (em Brasília) daquele ano e tornou-se um peso (peso bom) nos ombros do cineasta, que nos deu outras ótimas pérolas logo logo na sequência – Edu, Coração de Ouro; 1967; As duas faces da moeda, 1969 – mas que nunca viriam a superar o impacto de sua primeira declaração de amor ao amor que lançou no cinema.

BR 716, meio século depois, ganhou o Festival de Gramado neste 2016, e não apenas como melhor filme, mas pela melhor direção, trilha musical e atriz coadjuvante (Glauce Guima, uma força da natureza na tela). O filme estreia amanhã (17/11) no Brasil, e exibirá, no Recife, no Cinema da Fundação (Casa Forte).

O tal BR 716 do título diz respeito ao endereço onde o diretor morava assim que casou com a primeira esposa. O ano era 1963 e o número 716 na Av. Barata Ribeiro, Copacabana, Rio de Janeiro, indica o local do apartamento com mais de 200 m2 recebido pelo artista de seu pai, como o presente de casamento.

Algumas dessas histórias, a propósito, já foram trazidas a público pelo próprio cineasta quando publicou sua autobiografia – Vida minha em março de 2015 pela Record editora. Lá ele conta que “bebeu” esse tal apartamento. E BR 716 explica em detalhes essa história.

 

Acontece que o filme parte do momento em que o engenheiro e aspirante a escritor Felipe (alterego de Domingos, vivido por Caio Blat, ótimo aqui, encenando os trejeitos e tom de voz do cineasta) está sofrendo pela iminente separação de sua primeira esposa Adriana (Maria Ribeiro), que o deixa pelo seu melhor amigo, João Manoel (Álamo Facó, em cartaz também em Sob pressão).

Entre festas felizes e intermináveis, com muito, muito álcool, em que seus amigos passam mais tempo no tal apartamento do que em suas próprias casas, Felipe transita por entre eles num “dominguiano” tom de melancolia por não conseguir terminar de escrever seu primeiro  romance, ou roteiro de cinema, ou peça de teatro, nem ele sabe bem.

A dor aguda pela perda da ex-mulher só é dissipada quando apaixona-se de maneira fulminante (não é sempre assim?), numa dessas festas, pela beleza de Gilda (Sophie Chalotte). Ela quer ser famosa a todo custo, mas o olho clínico de Felipe vê que ela é também tristeza. “Você acha que eu não sou inteligente só porque sou bonita?”, pergunta Gilda. “Não é isso. Se bem que você nem precisava, já que a beleza é uma espécie de inteligência”, retruca o apaixonado.

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Sophie Charlotte e Caio Blat – crédito: Desirée do Valle

Numa fotografia – de Luca Pougy e Felipe Roque em P&B que ameniza a limitação da produção de poucos recursos para recriar o Rio de Janeiro do início dos 1960, e numa montagem ágil de Tina Saphira, que move-se em sintonia ao ritmo louco das festas e vida agitada de Felipe e sua turma, BR 716 resulta numa comunhão acertada de um produto que rememora tempos intensos no Brasil (também no campo da política, Domingos também dá espaço a isto com imagens de arquivo), mas de maneira fluida, tal qual entendemos a ideia de ‘ritmo’ numa perspectiva contemporânea.

Curioso que do ponto de vista temático, sexual, o tempo que BR 716 retrata é muito mais moderno que o ‘contemporâneo’ em que vivemos em 2016. Lá, no 1963 do apartamento de Felipe, não havia diferença entre homens e mulheres. A harmonia do gênero reinava pela ordem do amor e da alegria.

A trilha musical, assinada por Domingos, vem carregada das baladinhas de sucesso da época, que reforçam a atmosfera daquele momento em que Felipe, esse personagem tão intenso e apaixonante, vivia todas as dores e amores do mundo ao mesmo tempo.  

Aos fãs da obra de Domingos Oliveira, BR 716, é um presente que dá algumas pistas para entender como funcionava a cabeça desse homem poucos anos antes dele criar Todas as mulheres do mundo. Mas só uma pista mesmo porque, como diz Felipe na abertura de BR 716, “bêbado não lembra muito bem das coisas”.

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