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1 Comentário

  • Rafael Galindo

    44º Annecy (2020) – Premiações e hibridismo. Parabéns pela reportagem, Júlio!

  • Festivais

    44º Annecy (2020) – Premiações e hibridismo

    Neste sábado já teremos as premiações desta edição, muito embora ela só encerre dia 30 de junho.

    Por Julio Cavani | 19.06.2020 (sexta-feira)

    – acima, imagem de Old Man.

    Apesar de continuar com a programação completa disponível na internet até o dia 30 de junho, o Festival de Annecy realizará a cerimônia oficial de premiação amanhã (sábado, 20) com transmissão ao vivo pelo YouTube. Hoje (19), já foram revelados os prêmios paralelos, oferecidos por parceiros do evento (lista destes premiados, clique aqui).

    A experiência de Annecy confirmou que o formato online não substitui a experiência real de um festival. Não há controle, por exemplo, sobre como cada espectador assistirá às sessões.  Diversos fatores podem prejudicar essa forma de ver filmes, desde a estabilidade das conexões com a internet e as interrupções domésticas cotidianas até detalhes técnicos de som e imagem, inclusive porque há diferentes formatos de tela e de equipamento. Alguns poucos podem projetar os filmes em casa e muitos podem assistir pelo celular, algo incomparável com a possibilidade de projeção para milhares de pessoas em um grande cinema. Tudo isso fica ainda mais evidente em técnicas de animação com delicados detalhes de texturas, movimentos e traços fortemente afetados pela resolução.

    Essas diferentes formas de fruição, de certa forma, também estão relacionadas com o conteúdo de alguns dos filmes da programação, pois hibridismos de linguagem foram bastante explorados sobretudo por realizadores mais experimentais. Old Man, por exemplo, é um desdobramento do cultuado canal de YouTube Vanamehe, formado por pequenos curtas que deram origem ao longa-metragem estoniano presente na competição Contrechamp em Annecy.

    “Old Man”

    Apesar de ter nascido de uma série em uma plataforma virtual de internet, Old Man é bastante original na maneira como trabalha a técnica artesanal do stop motion, que predomina durante o filme. Percebe-se um perfeito domínio de ritmo cinematográfico e aspectos técnicos, mas os bonecos, com visual bastante rústico, não mexem as bocas quando falam. Esse detalhe de estilo demonstra uma opção de simplificar alguns aspectos para valorizar outros mais essenciais. Quem vir uma imagem fixa pode achar que o filme é tosco, mas basta acompanhar alguns minutos para perceber como tudo é muito bem pensado. Ao retratar a rotina atrapalhada de uma família na fazenda, os realizadores Mikk Mägi and Oskar Lehemaa fazem um eficiente exercício de humor assumidamente besteirol, pastelão e bastante escatológico, mas sem cair na ofensividade, com um timing de comédia acertado.

    Na competição principal, The Nose or the Conspiracy of Mavericks, do russo Andrey Khrzhanovsky, é um exemplo ainda maior de discussão sobre hibridismos de linguagens. Em uma cena bastante simbólica, duas mulheres estão nas poltronas da plateia de um teatro e usam telefones celulares para assistirem a um recital de piano, que na verdade é uma filmagem antiga, também projetada cinematograficamente no palco em frente a elas. O filme tem uma estrutura totalmente musical e é baseado no conto fantástico O Nariz (1836), de Nikolai Gogol.

     

    “The Nose”

    Em 1928, O Nariz foi transformado em uma ópera com composição musical de Dmitri Shostakovich (o pianista visto na cena das mulheres). O filme mescla situações do conto original com elementos da ópera e ainda acrescenta toda uma diversidade de técnicas de animação, imagens filmadas e cenas de clássicos do cinema. Algumas das sequências em live action mostram o interior de um avião onde os passageiros assistem a diferentes filmes antigos nas pequenas telas eletrônicas das poltronas. A partir de Gogol, o longa-metragem faz toda uma analogia entre o processo de criação artística e as possibilidades de reinvenção que uma obra pode atravessar. Khrzhanovsky faz sua adaptação audiovisual do conto original e a mescla com tudo o que ocorreu em torno da obra e das artes nas Rússia e na União Soviética entre os séculos 19 e 20, especialmente nas contraditórias e cruéis ações de Stálin em relação à cultura, com bastante perseguição contra artistas.

    “Accidental Luxuriance of the Translucent Watery Rebus”

    Mais radical ainda nos hibridismos é o filme croata Accidental Luxuriance of the Translucent Watery Rebus (Competição Contrechamp), do artista Dalibor Baric. O longa-metragem é todo feito a partir de colagens e apropriações de imagens recortadas (de revistas de quadrinhos e infográficos antigos) e trechos de filmes clássicos a partir de técnicas como rotoscopia e cut-out (animação de recortes), entre outras. O estilo narrativo fortemente alegórico lembra o cinema vanguardista do começo do século 20 e os desdobramentos desenvolvidos por cineastas como Jean-Luc Godard (ou Rogério Sganzerla e Júlio Bressane no Brasil) ao inserir sugestões de uma trama com personagens em meio a um fluxo de pensamentos, citações teóricas, discursos, elucubrações e devaneios sobre arte e política.

    Em outra direção, o longa polonês Kill It and Leave this Town (Competição Principal), do animador Mariusz Wilczyński, valoriza a essência do desenho. O filme até usa alguns recursos tecnológicos, mas é basicamente o traço do desenhista, em movimento e em constante mutação, que transmite toda a complexidade de sentimentos existencialistas e situações surreais baseadas em memórias pessoais e sonhos.

    “Kill It and Leave this Town”

     

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