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Festivais

48º Gramado (2020) – Dias de Invierno

Uma jornada interessante, ainda que reiterativa, sobre uma vida em inércia entre limbos e vazios.

Por Felipe Berardo | 21.09.2020 (segunda-feira)

O longa-metragem de estreia de Jaiziel Hernández como diretor, Dias de invierno (México, 2020) – exibido ontem (20) no 48. Festival de Cinema de Gramado – logo em suas primeiras cenas deixa clara a matéria prima com que irá trabalhar pela maior parte de seus 90 minutos, tanto tematicamente quanto imageticamente: o vazio. O jovem Nestor (Miguel Narro) e sua mãe, Lilia (Leticia Huijara), estão retornando à casa nas montanhas da família que deixaram de lado por tempos e o que é apresentado pela câmera é um microcosmo para todo o filme, um espaço em que pessoas não podem mais viver, apenas memórias e arrependimentos sobrevivem ali naquelas ausências.

A forma que a casa é filmada, inclusive, através de planos abertos com grande profundidade de câmera, captura todo esses vácuos que preenchem o espaço ao redor dos personagens, algo que já funciona muito bem como anúncio temático e estético para o resto do filme. Tudo isso se junta à fixação do protagonista por um problema de matemática que encontra numa antiga prova que o reprovou para levantar outro ponto importante ao filme, a constante busca pelas respostas certas do passado e a incapacidade de lidar com seus próprios erros e seguir em frente.

Nestor, assim como as outras personagens, vive numa lógica de completa isolação e alienação de sua própria vida. O jovem é obcecado pelo passado e sonha com um futuro de mudar-se para os Estados Unidos como única possibilidade de fuga, mas sente-se paralisado no tempo presente pelas dificuldades postas em seu caminho por si mesmo e por outros, principalmente pela relação que sente precisar manter com a mãe, uma obrigação de não deixá-la sozinha após a morte do pai e a saída dos outros irmãos de casa. 

Dias de invierno, porém, não é um filme que parece surgir do interesse por esses pontos narrativos e literais levantados por seu roteiro, elementos como as interações e relações pessoais entre Nestor e seu irmão mais velho, Pepe, ou como a subtrama com o estrangeiro hospedado no hotel em que Nestor trabalha, por exemplo, soam mais como burocráticas e funcionais para a trama de forma desalinhada que como algo muito significativo. Talvez pela experiência do diretor como diretor de fotografia em outros projetos, aqui a prioridade aparenta ser a mais a composição imagética para representar a inércia dessas pessoas nesses vazios como foco principal.

Há uma consistência muito definida nessa representação durante o filme, através de vários desvios narrativos em locações que parecem saídas de uma cidade fantasma com estacionamentos, cassinos, campos e pistas de boliche quase sem nenhum movimento, criando um limbo para a existência dos indivíduos que acompanhamos. Essa consistência, no entanto, chega num ponto de repetição de ideias que acaba eventualmente tornando-se maçante pela pouca evolução de ideias tanto dramáticas quanto formais propostas pelo longa. O problema principal é que o longa se interessa por esses temas numa lógica metafísica, mas, assim como seus personagens, ignora demais o sensível e o tátil acessíveis na existência do presente enquanto entra numa busca constante por significados que já foram encontrados e reiterados mais de uma vez.

Para cada ideia instigante aqui, como a especificidade tropical da insistência do calor e do sol mesmo nesses melancólicos “dias de inverno”, soando como uma ironia ou desprezo da natureza, ou a utilização de câmera lenta nos pouquíssimos momentos em que vive-se plenamente sem deixar-se oprimir pela situação que os cerca, há algumas outras ideias que apenas repetem-se e não evoluem muito além dos planos longos e abertos do vazio, propostos desde suas primeiras cenas na casa da montanha. O filme funciona melhor nas cenas que elaboram de forma mais concreta sobre essas ideias, como a sequência do carro atolado na lama que não só serve como uma metáfora bastante clara para o estanque e a incapacidade de seguir em frente, mas também como conflito palpável na relação pessoal dos personagens e como estopim para novas imagens, utilizando-se do escuro com poucas fontes de luzes para tratar do incerto a partir de medo e receio, ao contrário da apatia e indiferença tão presente pelo resto da obra.

As soluções finais para o filme acabam retornando à burocracia do roteiro de forma um tanto deselegante com uso de flashbacks e uma insistência forte demais em deixar claro o significado por trás da metáfora do problema matemático, através de planos aéreos de personagens dentro das linhas do campo de beisebol. A principal questão que torna a condução dos últimos minutos tão insatisfatórias porém, é que o filme não resolve tanto suas questões formais e imagéticas construídas de seu começo e volta-se aos pontos narrativos menos interessantes, insistindo numa resolução emocional para os personagens que não tem força suficiente. O fim surpreendentemente otimista, disposto a aceitar as mudanças e a incerteza como caminhos viáveis para novas vidas, perde um pouco da força que poderia ter. 

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