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Críticas

Noite Passada em Soho

A hora do pesadelo e d’O sexto sentido feminino.

Por Luiz Joaquim | 18.11.2021 (quinta-feira)

Como é bom reencontrar vida em novos filmes britânicos, atualizados e atualizando um gênero ‘cansado de guerra’ como é o do horror. O diretor inglês Edgar Wright (1974) mostrou a que veio, já há algum tempo, com o seu apetite para o humor entrelaçado à ação. Alguns de seus filmes vêm sendo anotados com carinho, nos últimos 15 anos, pelos cinéfilos juvenis em seus caderninhos virtuais como, por exemplo, Todo mundo quase morto (2004); Scott Pilgrim contra o mundo (2010); além de Em ritmo de fuga (2017) que chamou a atenção da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, ou seja, a mais popular janela cinematográfica do mundo.

Dá pra dizer que o seu novo Noite passada em Soho (Last Night in Soho, GB, 2021), estreando hoje (18) nos cinemas, agrega tudo aquilo que interessa ao universo cinematográfico de Wright. Seja pelo tema – o protagonismo juvenil com seus sonhos e a busca por alcançá-los; a origem humilde de seus protagonistas e sua determinação solitária pela superação-; seja pela estética – com muita música embalando o ritmo da narrativa visual (atenção já nos créditos de abertura), numa edição envolvente e sem apelar para cortes epilépticos.

E, no caso de Soho, quem ganha é o gênero horror, com Wright revisitando um cult de quase 30 anos, A hora do pesadelo (1984), para nos dar algo também original tendo como baliza dramática a performance envolvente da atriz neozelandesa Thomansin McKenzie (2000) – vista em Jo Jo Rabbit (2019) e em Tempo (2021) – ao lado da norte-americana Anya Taylor-Joy (1996) – mais lembrada pela série O gambito da rainha mas também marcante em A Bruxa (2015) e Fragmentado (2017).

No filme de Wright, Taylor-Joy e, principalmente, McKenzie brilham intensamente fazendo do filme em si, algo que não pode ser descolado da imagem das duas.

McKenzie como Eloise, em tom muito bem calibrado para a fragilidade da protagonista

McKenzie vive Eloise, jovem interiorana, que é aprovada com uma bolsa numa faculdade de moda em Londres. A região principal da história é a do Soho, conhecida na capital inglesa por abrigar, desde os 1980, espaços para todo o tipo de prazeres: cultural, gastronômico e também os sexuais.

Algo bem distinto daquilo que Eloisa esteve acostumada por toda a sua vida. Ingênua e sonhadora, ela tem uma predileção pela cultural londrina (moda, música, etc.) dos anos 1960. Sua pacata vida interiorana, ao lado da avó desde criança, época em que perdeu a mãe, era também acompanha por visões extranaturais da falecida mãe.

Só por isso, desde a abertura de Soho, temos a dica de que algo de preocupante aguarda Eloise em Londres. Mas Wright, neste roteiro coescrito com Krysty Wilson-Cairns, trapaceia o espectador lindamente, e o tempo todo, primeiro dando a Eloise o típico tratamento, digamos, “bullyngnesco” que o cinema tão bem representa aos estudantes que não se encaixam no padrão (e nos colocando imediatamente ao lado da vítima), para depois mesclar a realidade da moça com as fantasias que Eloise vivencia pelos sonhos, ao dormir à noite.

Anya Taylor-Joy como a ‘femme fatale’ Sandie

Se os sonhos iniciam inspiradores, transformando para melhor a vida da tímida moça na faculdade, logo tornam-se preocupantes, por serem reveladores de uma outra época, dando a dois personagens satélites uma importância só revelada no final.

Não à toa, tais personagens foram confiados a dois mestres da atuação britânica: Terrence O Colecionador Stamp, e Diana Rigg (falecida ano passado, aos 82 anos), mais lembrada pela nova geração por sua atuação em Game of Thrones.

Diana Rigg brilhando no último papel de sua carreira.

Wright se sai muito bem orquestrando essa turma de talentos tendo como ponto de partida o emaranhado de informações dos sonhos de Eloise, pelo qual acompanhamos (nós espectadores) a tudo como se fossemos um reflexo no espelho, sem nenhum poder de domínio sobre a imagem real.

A engenhosidade visual com a ideia por trás do espelho é literal em Soho, e Wright parece se divertir bastante com essa duplicação de personalidade de Eloise, tão plasticamente bem dosada a ponto de poder confundir um espectador mais desavisado.

Há ainda um contexto contemporâneo aqui. Os monstros que aterrorizam Eloise/Sandie (Taylor-Joy) são homens do passado, com sua habituais descontroladas e contínuas lascivas sexuais. Por outro lado, o filme dá um chance ao homem moderno, pelo personagem de Michael Ajao, como John, o colega de Eloise na faculdade de moda, e a sua capacidade de prestar atenção na delicadeza da moça e de estar pronto para ouvi-la sempre que ela precise de ajuda. Que bom.

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