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Festivais

55º Brasília (2022) – “Utopia Distopia”

A UnB de Bodanzky

Por Humberto Silva | 17.11.2022 (quinta-feira)

Jorge Bodanzky é um dos homenageados desta 55ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. O evento abriu a homenagem com a exibição do curta-metragem Brasília em Super 8; em seguida, foi projetado o longa-metragem Utopia Distopia. Ambos realizados em 2020.

Em 1970 Bodanzky, que na época vivia e estudava na Alemanha Ocidental, em passagem pelo Brasil visitou Brasília e colheu imagens em Super 8 preto e branco para a TV alemã. São registros documentais que ficaram guardados e que há pouco foram editados com acréscimo de uma banda sonora e receberam o nome de Brasília em Super 8. Fragmentos desses registros ele também exibirá em Utopia Distopia. Curta e longa, portanto, formam um díptico afetivo da vivência de Bodanzky na capital. Ele foi aluno inicialmente de Arquitetura na UnB e depois no recém-criado primeiro curso de cinema no Brasil.

O curta se detém nas imagens da cidade em plano aberto com lentes esféricas. Bodanzky filmou a movimentação das pessoas, o tráfico de carros com a câmara em movimento. São imagens que nos dão a ideia de uma cidade com espaços bem amplos e com interação social contida. Não há hoje propriamente destaque e não ser como o Super 8 nos rementem ao sentimento de nostalgia. Imagino o sentido de coletividade em Brasília com o presidente Médici no poder na época mais dura da ditadura.

Creio que para Bodanzky as imagens de Brasília em Super 8 evoque o que ele era, como sentia a cidade cinco anos depois de ter abandonado o curso de cinema, quando os professores da UnB se demitiram em protesto pela constante intervenção dos militares na universidade. Visto isoladamente, assim, Brasília em Super 8 desperta apenas, talvez, curiosidade. A curiosidade que podemos ter ao vermos a fotografia de uma rua de uma cidade como São Paulo, Rio de Janeiro ou Recife no início do século passado.

Entendo com isso que, isoladamente, Brasília em Super 8, para o espetador, ganha sentido se ele se sensibilizar, tiver presente, a experiência pessoal de filmagem e da vida de Bodanzky. Algo parecido Glauber Rocha fez, também em super 8, ao filmar no Uruguai em 1972, quando estava no exílio, Paloma, Paloma, que mostra seu encontro com a filha, Paloma Rocha criança.

As imagens de Brasília em Super 8 têm outro sentido, contudo, quando vistas ao lado de Utopia Distopia. Neste longa, Bodanzky se atém ao seu ingresso na UnB em 1964 e no quanto o projeto de universidade projetada por Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro entusiasmou a juventude que nela entrou no momento que antecedeu ao golpe, a utopia; ele se atém, igualmente, à enorme frustração, a distopia, quando, na sequência do golpe, houve a demissão em massa dos professores em 1965 que pôs fim ao projeto. O estudante Bodanzky viveu intensamente aquele momento conturbado de nossa história.

“Brasília em Super-8”

Utopia Distopia exibe em paralelo as expectativas do jovem estudante Bodanzky e os depoimentos de professores, artistas e arquitetos e entraram na UnB antes do golpe. São depoimentos que expressam enorme entusiasmo pelo ingresso numa universidade cuja estrutura de ensino era pautada pela liberdade curricular e pela interação entre os estudantes. Os depoimentos exibem também como o projeto foi concebido num momento de grande euforia sobre o destino do país. A ideia de que a universidade simbolizava a modernidade que atraia jovens e professores a largarem a vida que tinham se alocarem num espaço urbano no qual tudo começava do zero.

Bodanzky intercala, então, imagens de seu ciclo de amizades, momentos de camaradagem juvenil em momentos bucólicos no serrado, com imagens das forças de repressão que intervieram no campus. Nessas imagens, por contraste, ele mostra como aquela juventude estudantil, da noite para o dia, viu desabar a utopia de criação de um centro de excelência intelectual inovador.

Há, dessa forma, o sentimento de anticlímax, de experiência incompleta; assim como de inocência juvenil sobre como atuavam as forças políticas naquele momento. Bodanzky, mesmo que não tenha tido essa intenção, revela em Utopia Distopia como a classe média com anseios libertários, da qual ele fazia parte, estava despreparada para a virulência das forças que tomaram o poder.

Seu filme traz à tona, suponho, que a criação da universidade – a apresentação de seu projeto – foi fruto de circunstâncias num país no qual o que é sólido nas relações de poder se desmancha no ar. O tom nostálgico de Utopia Distopia sensibiliza, deixar no ar o que poderia ter sido. Mas, mais que isso, ensina que experiências ousadas no Brasil se confrontam com forças terríveis. Essa, me parece, a lição que se pode tirar de seu filme sobre a UnB.

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