
49ª Mostra SP (2025) – Sirât
Ninguém está preparado para este filme de Oliver Laxe, e é por isso mesmo que você deve vê-lo num cinema.
Por Luiz Joaquim | 25.10.2025 (sábado)
SÃO PAULO (SP) – Você não vai localizar Sirât no atlas, como explica o texto na introdução do filme espanhol homônimo dirigido por Oliver Laxe. Conforme o islamismo, o Sirât seria uma ponte metafórica que “se estende sobre o inferno (Jahannam). Ela é mais fina que um fio de cabelo e mais afiada que a lâmina de uma espada”.
O filme que abriu a 49º. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo teve sua última exibição por aqui na tarde de ontem (24), lotando o Cine PlayArte Marabá e deixando a todos estatelados diante do “Jahannam” criado por Laxe.
Em Cannes, o filme levou o Prêmio do Júri (espécie de 3º lugar) e a Espanha, claro, o indicou como seu representante para concorrer a uma vaga no Oscar 2026.
Sirât é aquele filme que podemos dizer tranquilamente: Ninguém está preparado para o que ele irá te apresentar. E isso é bom. Se em Mad Max, ao invés do petróleo, o elemento mais valioso fosse raves com uma pitada de provocação sobre a política internacional, teríamos Sirât.
Temos como leitmotiv aqui um pai (Sergi López) com seu filho mais novo (o menino Bruno Núñez Arjona) procurando em raves no deserto, ao sul do Marrocos, pela filha/irmã mais velha desaparecida há cinco meses. Entretanto, já nos créditos de abertura, Sirât nos dá o tom do seu tempo e espaço.

Luís (López) e caçula Estéban (Núñez Arjona) em busca desesperada pela filha/irmã
O tempo é o do contraste entre as Batidas por Minuto (BPM) da música Techno, acelerada, contra o parado do deserto. E o espaço é o da liberdade sugerida pelo “nada” ao redor, a quilômetros e quilômetros de distância.
Num país que passa por uma violenta convulsão política, entrando em guerra, aqueles jovens gringos (e os não tão jovens) nas festas não estão interessados nas consequências. O foco é o prazer pela combinação da música com a paisagem, além dos habituais estimulantes químicos.
Mas, a partir de uma batida militar, encerrando a rave, um grupo de cinco amigos, divididos em um caminhão e um micro-ônibus, fogem da escolta militar para tentar chegar a uma última festa. Em desespero, Luís (López) e Esteban (Núñez Arjona) seguem os fugitivos, só que num carro de passeio, pequeno e inadequado para aquele terreno desafiador, inóspito.
Não demora muito para o grupo abraçar a causa de Luís e ajuda-lo no percurso. Entretanto, é de um passeio pelo inferno que estamos falando aqui e Sirât, após nos colocar empaticamente ao lado de Luís, do fofo Estéban e dos cinco malucos, começa a desenhar a sua ideia de inferno. E ela não poderia ser mais precisa: A condenação da desesperança em continuar vivendo sob a sombra de uma culpa por uma desgraça profunda.

Movidos pelo hedonismo proporcionado pela música e a liberdade do deserto
Em termos cinematográficos, Sirât também derruba no chão o queixo de sua plateia que, enquanto é colocado dentro daquele deserto durante a 1h55min em que o filme corre, tenta calcular os desafios de uma produção naquela locação; além de pensar também na capacidade (aqui conquistada) de casar tão bem um criativo roteiro com a locação perfeita.
Ainda em termos cinematográficos, há sempre de se celebrar filmes que, ali pelo meio do seu percurso, têm a coragem de jogar pro espaço seu leitmotiv inicial e te arrasta para um outro lugar ainda mais frágil e urgente. É como se o cineasta Laxe quebrasse a perna de seu espectador e o deixasse sofrendo com metade do filme ainda a ser percorrido.
Como se não bastasse, Laxe vem mais adiante e… Buum! nos quebra a outra perna. E é assim fica difícil levantar da poltrona para deixar o cinema.
Para quem apenas se relaciona com as dores particulares dos personagens, Laxe nos dá uma sequência final comovente, destacando que aquele é apenas um inferno circunstância, daquele grupo de estrangeiros, enquanto que os locais vivem seu inferno cotidianamente naquele deserto.
Ao final laxe deixa o recado, eloquentemente sem nenhum diálogo, que em terra estrangeira se pisa devagar, e que, nesse mundo cada vez mais cheio de fronteiras, a relação que você irá estabelecer com a cultura que não é a sua deve ser respeitosa ou ela poderá te matar.
Sirât terá distribuição comercial no Brasil pela Retrato Filmes
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