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Festivais

17º Cine Ceará, 2007, (2)

Teatralidade em filme argentino contrasta com secura de obra portuguesa

Por Luiz Joaquim | 03.06.2007 (domingo)

acima, still de Body Rice

FORTALEZA (CE) – Com a metamorfose que sofreu em 2006, transformando-se de festival brasileiro para ibero-americano, o Cine Ceará tornou-se mais atraente exatamente pela oportunidade de colocar o espectador em contato com uma seleção de títulos, em particular os latino-americanos e portugueses, que de outra forma não viriam ao Brasil.

Para se ter uma idéia do que representa esta oportunidade, vale ressaltar que apenas uma das várias obras estrangeiras exibidas ano passado ganhou, posteriormente, distribuição comercial no Brasil. Foi o ótimo argentino ‘O Guardião’ (El Custodio), de Rodrigo Moreno, exatamente o que saiu logrado como vencedor no Cine Ceara 2006.

Os primeiros longas competitivos desta edição 2007, exibido na noite de sábado, no já tradicional Centro Cultural Sesc Luiz Severiano Ribeiro (o Cine São Luiz de Fortaleza), também devem encontrar dificuldades de distribuição no Brasil, em particular o português ‘Body Rice’ (2006), do cineasta Hugo Vieira da Silva que divide seu trabalho entre Lisboa e Berlim.

Produzido pelo também diretor Paulo Branco, ‘Body Rice’ encontra exatamente em ‘Transe’, dirigido por Branco, e em ‘Juventude em Marcha’, de Pedro Costa, seus mais próximos reflexos de um espelho estético. Isso significa dizer que, em seus 120 minutos, ‘Body Rice’ utiliza-se do tempo, ou melhor, de longos planos estáticos e silenciosos, como um elemento definidor para a condição inercial em que se encontram seus personagens.

Eles são três: Julia (Alice Dwyer) e Pedro (Luís Guerra), jovens portugueses que vivem na região de Alentejo, um lugar árido, esquecido pelos próprios portugueses, onde vive uma espécie de comunidade à margem da grande metrópole. É para lá que vai a alemã Katrin (Sylta Fee Wegmann), como parte de um projeto de reabilitação social mantido entre a Alemanha e Portugal desde 1980 e desconhecido por boa parte da população lusitana, segundo informou o ator Guerra, representando ‘Body Rice’ no Cine Ceará.

Lá, Katrin torna-se amiga de Júlia e Pedro, passando ainda a viver na delinqüência, dentro de um marasmo sem nenhum tipo de perspectiva social. As únicas ações que quebram a inércia do grupo são as festas raves, ao som das mais pesadas (e boas) variações da música techno em pleno deserto empoeirado de Alentenjo. O próprio Luís Guerra, dançarino profissional, foi selecionado por Hugo num teste de elenco também pelos seus dons de coreógrafo.

Neste sentido, ‘Body Rice’ é um dos filmes mais precisos no registro da atmosfera que cobre o ambiente neste tipo de festa. O detalhe é que aqui fica marcado um interessante contraste entre o definhamento dos personagens com a alucinada batida por minuto das músicas de DJ alemães e de Joey Beltram que embalam a obra. Segundo Guerra, o título inicial do filme seria ‘O Céu que Nos Impede’, além de ter sido originalmente pensado para ser fotografo em P&B por Hugo Vieira da Silva.

Sem nenhum apelo popular, ‘Body Rice’ espantou mais da metade da platéia do 17º Cine Ceará que antes, na mesma noite, parecia ter se deliciado com os qüiproquós do argentino ‘Chile 672’, da dupla de estreantes em longa-metragem Pablo Bardauil e Franco Verdoia.

Na entrevista concedida na manhã de domingo, Bardauil explicou que a história surgiu do interesse de quatro atores do teatro argentino, um deles sua própria esposa Maria Lorenzutti, em fazer um curta-metragem com aquele argumento, que Bardauil acabou desenvolvendo para um longa-metragem.

O ‘Chile’ do título é nome de uma rua no bairro de artistas e boêmios de Buenos Aires chamado Santelmo. ‘672’ é o número do prédio onde vivem os mais diversos personagens que, na descrição do próprio diretor são um motorista de transporte escolar sufocado pela própria família; uma atriz de meia-idade decadente (Lorenzutti), uma jovem reprimida sexualmente; e uma jovem italiana bastante liberada que presta favores sexuais.

Num artifício narrativo bem comum, os quatro personagens se entrecruzam e até interagem dentro de seus dramas pessoais. O filme também dedica momentos específicos para cada um deles, mas uma certa teatralidade nas performances acaba por distrair o que há de moral na problemática imposta aos personagens, deixando diluído o que se quer deixar de sério e cômico por aqui.

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