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Festivais

49ª MostraSP (’25) – Panahi e “Amiga Silenciosa”

Dois filmes sedutores: um pela vida, outro pela morte

Por Luiz Joaquim | 29.10.2025 (quarta-feira)

SÃO PAULO (SP) – A 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo se aproxima do final. Encerra amanhã (30), tendo marcado vários gols nesta edição. Além dos títulos medalhões, como é habitual, apresentou obras pouco badaladas nos grandes festivais mas, nem por isso, menores em sua riqueza artística. Na verdade, às vezes, são trabalhos até mais sofisticados que algumas Palmas, Leões ou Ursos de ouro.

Poderíamos dizer que Amiga silenciosa (Stille Freundin, Hun., Ale., Fra., Chi., 2025) é um desses casos, mas na verdade esse novo trabalho da húngara Ildikó Enyedi – conhecida no Brasil pelo bonito Corpo e Alma (2017) – também recebeu grandes holofotes num grande festival: o de Veneza. De lá saiu com seis prêmios, em sua maioria prêmios paralelos, mas com destaque em dois deles: o da crítica (Fipresci) e o “Marcello Mastroianni de melhor ator/atriz jovem” para Luna Wedler). 

Arriscamos dizer que Amiga silenciosa pode vir a ser um dos cinco mais belo filmes que você verá em 2026 (com distribuição da Imovsion). Um filme cuja protagonista é uma árvore. Mais especificamente da espécie Ginkgo, fêmea, plantada em meados do século 19 no jardim botânico de uma universidade medieval em Budapeste.

Amiga silenciosa inter-relaciona, tendo a árvore como testemunha, três histórias em tempos distintos. Em 2020, o respeitado neurocientista Tony (Tony Leung, Amor à flor da pele) viaja à universidade em questão para palestrar sobre a sua pesquisa a respeito das especificidades cognitivas dos bebês. 

Cena de “Amiga Silenciosa”

Pego de surpresa pela Pandemia, ele é obrigado a ficar solitariamente hospedado no campus da antiga universidade. Tony passa a ter muito tempo de sobra e se sente atraído pela frondosa Ginkgo, iniciando um experimento com a ajuda online de uma botânica francesa (Léa Seydoux).

De forma alternada, a história segue e pulamos no tempo para 1972 e 1908. No início do século passado, conhecemos Grete (Luna Wedler), determinada a ingressar naquela universidade, então, exclusiva para homens. E ela consegue, mas não sem alguma humilhação masculina para, em seu isolamento como mulher, iniciar experimento fotográficos com plantas e descobrir padrões estéticos desconhecidos na época.

Já na década de 1970 o solitário é o tímido universitário Hannes (Enzo Brumm) que se apaixona por Gundula (Marlene Burow). Ela é uma estudante de botânica que tenta, por um experimento primário, registrar respostas comportamentais de um gerânio a partir de estímulos calculados. Quando ele se responsabiliza em cuidar da planta, enquanto Gundula faz uma viagem, Hannes se percebe fascinado pelos resultados que o experimento apresenta.

É absolutamente envolvente, por um ritmo despreocupado com explicações rápidas ou verborrágicas em suas quase 2h30min de duração, como a diretora e roteirista Enyedi nos suga para a tranquilidade e, por que não, sabedoria naquele (e daquele) jardim no campus universitário.

Pelo contexto dos personagens humanos, ao longo das três épocas escolhidas, Amiga silenciosa nos suscita o quanto uma benéfica conexão concreta – não apenas metafórica -, pode (deve) se estabelecida com o reino vegetal, ainda que seja com um único e específico elemento daquele reino. 

Cena de “Amiga Silenciosa”

Não há relação de pertencimento mais intensa com o meio ambiente que lhe cerca do que aquela vivida (vivida!) por plantas, árvores e todos os outros elementos vegetais. Seu enraizamento na terra determina a intensidade dessa relação. Mas, o que há a aprendermos com isto em nossa eterna busca por pertencimento? A resposta cada um deve tirar ao final do filme. Final que celebra, em uma imagem, a vida em sua silenciosa revolução.

Com algumas estratégias de imagens e sons combinados para ilustrar as reações da centenária Ginkco, estimuladas pelo experimento do professor Tony, o filme nos faz abrir atentamente os olhos e ouvidos para um tipo de comunicação (com vegetais!) como pouco vezes tivemos no cinema. A beleza que sai daqui é, portanto, algo muito pouco explorado – ao menos em termos de equilíbrio em seriedade e ludicidade, como testemunhamos em Amiga silenciosa. 

Curioso relacionar que a parafernália dos experimentos de comunicação com a Genkco que vemos no filme húngaro se assemelha com a que se tem em uma das temporadas (A morte do Visconde, 1978)  na série infantil O sítio do pica-pau amarelo, da TV Globo com a TV Educativa. 

Naquela temporada, o Visconde de Sabugosa trabalha no seu invento que irá permitir conversar com as árvores e, por essas descobertas, ele torna-se amigo de uma jaqueira. Nada mais bonito para uma criança, ou melhor, para qualquer um que busque pertencimento e evolução naquilo que chamamos de “estar vivo”. 

FOI APENAS UM ACIDENTE – Roman Polanski fez o seu A dama e a donzela, Beto Brant fez o seu Ação entre amigos e agora foi a vez do iraniano Jafar Panahi acertar as suas contas com torturadores por meio do cinema. Na apresentação que fez ontem (28) no auditório belamente adaptado como cinema do espaço Cultura Artística, Panahi destacou que criou o argumento de Foi apenas um acidente (Palma de Ouro em Cannes e indicado pela França a concorrer ao Oscar Internacional) como uma resposta pela única coisa que ele sabe fazer – cinema – considerando a situação de amigos presos (como ele próprio esteve) pelo regime político iraniano. 

Cena de “Foi apenas um acidente”

O mote aqui é simples, como o é no filme de Polanski e no de Brant. No caso do iraniano, Vahid (Vahid Mobasseri), dono de uma loja simples na beira de uma estrada qualquer do Irã, vê e, principalmente, escuta parar na frente do seu estabelecimento aquele que supõe ter sido o seu torturador – conhecido como Egbal (Ebrahim Azizi) – quando esteve preso junto a outros amigos. Dominado pela revolta, Vahid decide sequestrar Egbal mas, tomado pela incerteza da verdadeira identidade o homem, decide pedir a ajuda de outras vítimas iguais a ele. 

O que diferencia a “vingança” de Panahi para a de Polanski e Brant é a forma e o tom que ele dará à epopeia de seus personagens. No caso do tom, uma das opções do iraniano foi injetar o humor por algumas circunstâncias do enredo, como a situação nonsense da noiva que, às vésperas do casamento, decide acompanhar o grupo de torturados e ainda ajuda a engabelar policiais desconfiados dos atos daquele grupo incomum. 

Por algumas vezes a grande plateia do Cultura Artística riu alto e com gosto das situações jocosas. Mas o que há para rir naquilo? Num certo sentido, essa dubiedade entre o humor e a tragédia pode atrasar o envolvimento absoluto do espectador para com o que realmente importa aqui, que é: o que fazer com torturadores?

Cena de “Foi Apenas um Acidente”

Já na forma, Panahi consegue fazer bonito, particularmente durante o “julgamento” dos torturados sobre o suposto torturador. Tudo acontece por um plano fixo e fechado no sequestrado. Aqui sim, o cineasta estabelece que o assunto é sério, e dispensa estripulias plásticas ou retóricas cômicas que possam nos distrair da essência. Aqui nosso envolvimento é absoluto, sendo nós os sequestrados pelo filme para dentro daquilo que está em jogo no histórico sofrimento de milhares de iranianos.

Panahi também encerra muito bem o seu filme de 1h42min., sugerindo apenas pelo som, deixando a imagem fora do plano, aquilo que pode (ou não) significar a continuidade do horror.

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