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Críticas

O Espelho

Jafar Panahi: afinal, a arte reflete a vida ou é o inverso?

Por Luiz Joaquim | 18.05.2018 (sexta-feira)

– publicado originalmente em 15 de maio de 2001 no Jornal do Commercio (Recife)

Mais um filme com aquele enredo simplório, narrativa peculiarmente lenta e interpretações estranhas às retinas ocidentais. Isso sem falar no idioma exótico. É certo que essas características serão rapidamente atribuídas a O Espelho (Ayneh, 1997) ao se descobrir que se trata de um filme iraniano. Mas nesse seu segundo trabalho, que estréia hoje no Cinema da Fundação, o diretor Jafar Panahi (de O Balão Branco) deixa uma centelha de preciosa incerteza na cabeça do espectador. A pergunta que fica é: até onde, o que vemos dentro de um filme é real ou simulação do real?

O leque da questão, se aberto à história do cinema, rende a defesa de uma tese. Em 1999, A Bruxa de Blair trouxe, via depurado marketing na internet, esse mesmo assunto à luz da mídia (e, conseqüentemente, à consumidores de imagens espalhados pelo mundo todo). Mais modesto, o filme de Panahi usa as armas com as quais as produções do Irã vêm conquistando o ocidente há quase uma década, ou seja, histórias do cotidiano e atuações naturalistas.

No caso de O Espelho, a linha dramática acompanha o desespero da menina Mina (Mina Mohammad Khai) que ao sair da escola descobre que a mãe não foi lhe buscar. Angustiada, tenta ligar para casa, procura informações com adultos, até que perde a paciência e decidir tomar um ônibus. Lá pelo meio do filme, depois de vários percalços, Mina toma uma decisão que muda todo o desenrolar dramático da história.

Na verdade, quem toma a decisão não é ‘Mina’ a personagem, e sim ‘Mina’ a atriz. Daí por diante o longa vira uma espécie de documentário involuntário de si próprio; de seu fracasso enquanto um filme de ficção. O próprio Jafar Panahi, seu câmera, figurantes, o operador de som e outros técnicos surgem na tela interagindo com Mina, a atriz.

A recente história do cinema iraniano está recheada de exemplos germinais do que Panahi vem exacerbar aqui. Em Através da Oliveira (1994) Abbas Kiarostami mostra um cineasta filmando repetidas vezes a mesma tomada de seu longa com um ator não profissional. Em Salve o Cinema (1995) Mohsen Makhmalbaf prestou sua homenagem ao centenário da Sétima Arte expondo-se na tela e colocando atores e não-atores diante de uma câmera para prestar uma declaração de amor pelo cinema. Em 1997, Kiarostami levou a palma de Ouro em Cannes por Gosto de Cereja, que nos mostra a busca de um andarilho por alguém que lhe mate. O detalhe é que, na seqüência final, Kiarostami acrescenta no filme cenas do making of  da produção.

Como discípulo aplicado de Kiarostami que foi, Panahi faz aqui um registro ‘velado’ do quem vem a ser ‘fazer um filme’. Que é bem diferente do registro ‘declarado’ de Babilônia 2000 – documentário brasileiro que acompanha o iraniano na programação da Fundaj. As duas situações colocadas pelo filme de Panahi – menininha ficcional perdida, menininha real perdida –  são bem semelhantes. O que nos leva a pensar que o espelho do título é justamente o fio divisor entre arte e realidade. Afinal, a arte reflete a vida ou é o inverso? Talvez esse reflexo esteja no brilho do espelho de Panahi. É preciso tirar a própria conclusão.

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