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Retrospectiva 2025: Cinema Brasileiro

Uma cinematografia com momentos de fôlego em seus altos e baixos

Por Cléber Eduardo | 26.12.2025 (sexta-feira)

Foram 181 longas-metragens brasileiros lançados comercialmente em circuito de exibição segundo os dados do Filme B. Acionar a memória da maioria destes filmes é uma forma de redesenhar a percepção da temporada, ver a multiplicidade de propostas e de assinaturas, atentar-se para os estreantes em direção de longa-metragem, reconhecer minha decepção ou recepção fria a alguns filmes badalados dentro e fora do país, destacar alguns títulos medianos que correm risco de cair no esquecimento. Nem tudo foi O agente secreto. O documentário não pode ficar restrito a Apocalipse nos trópicos. Há um mundo de imagens, cenas e de montagens a serem ainda melhor refletidos nesse universo de quase duas centenas de lançamentos.

“Apocalipse nos Trópicos”, de Petra Costa

Entre os autores mais antigos, que começaram no século 20, Ruy Guerra é o mais longevo, com Aos pedaços, filme de excessos e de irregularidades, de uma ousadia rara até entre estreantes, mesmo não estando entre os principais filmes do ano. Também foi um ano da permanência de assinaturas menos importantes ou expressivas em anos recentes (como as de Bruno Barreto/Traição entre amigas, Lírio Ferreira/Serra das almas, Andrucha Waddington/Vitória, Beto Brant/A planta, José Eduardo Belmonte/Quase deserto, Cao Guimarães/Amizade, Eliane Caffé/Filhos do mangue). 

Nenhum destes filmes figuram entre as obras centrais do ano, suas autorias tiveram períodos mais fortes anos ou décadas atrás, mas cada filme desses tem características possíveis de serem defendidas, a depender de quem defende, evidentemente. Anna Muylaert manteve seu ritmo de produção com A melhor mãe do mundo, lançado mundialmente no Festival de Berlim, mesmo evidenciando algo de requentado na encenação, e Sandra Kogut se valeu da onda de documentários sobre as questões da turbulenta política brasileira em No céu da pátria nesse instante. Jorge Furtado codirigiu com a promissora estreante Yasmin Thayná o engessado Virginia e Adelaide, ponto baixo da irregular filmografia dele e uma decepção para um primeiro longa dela.

“Deuses da Peste”, de Tiago Mata Machado

Entre quem começou a dirigir longas no século 21, o maior destaque foi Tiago Mata Machado e Gabriela Luiza em Deuses da peste, ganhador da Mostra Olhos Livres em Tiradentes 2025. Um filme com espírito de Artaud, alma de Brecht e cheiro da fase silenciosa de Fritz Lang. Eryck Rocha voltou a seus melhores momentos, ao lado de Gabriela Carneiro da Cunha, com o poético mais que antropológico A queda do céu, apenas disparado pelo livro de Davi Kopenawa e Bruce Albert, sem ser uma adaptação. Kleber Mendonça Filho sedimentou sua permanente ascensão internacional com Agente secreto, fenômeno em Cannes e por onde passa, com sua roupagem de thriller ao mesmo tempo esforçado em penetrar em vários países e desviante do que se supõe ser um filme para festivais e circuitos de arte e ensaio no fim do primeiro quarto do século 21. 

“O Agente Secreto” : o filme brasileiro mais comentado do segundo semestre de 2025

A turma iniciada a menos tempo esteve presente, mas com filmes desiguais em seus resultados. O mais bem sucedido foi Maurilio Martins em O último episódio, uma rara obra decente sobre e para o público adolescente. Marcelo Caetano contou com dois bons personagens centrais e duas interpretações de primeira linha em Baby (João Pedro Mariano e Ricardo Teodoro), um filme gay sem se dispor demais a ser aceito por públicos mais conservadores. Esmir Filho obteve os suspiros de admiradores de Ney Matogrosso em Homem com H, um filme com estrutura de série e cenas constrangedoras de tão óbvias em seu didatismo, e Marco Dutra não retomou os bons momentos de sua filmografia em Enterre seus mortos, desequilibrado entre os excessos de artifícios e uma almejada eficiência narrativa. Talvez esteja no mesmo patamar de Os enforcados, de Fernando Coimbra, também se equilibrando e escorregando entre os exageros e a segurança. 

A dupla mineira Clarissa Camponilla e Sérgio Borges deram continuidade ao fluxo de longas de suas trajetórias com Suçuarana, um filme de deslocamento de uma mulher solta na vida, que teve sua importância na virada de 2025 para 2026, mas não marcou o ano nem a filmografia de cada um. Já Gabriel Mascaro foi das maiores decepções com O último azul, após as ótimas reverberações posteriores ao prêmio no Festival de Berlim. Nem Denise Weinberg parece vivenciar de fato sua personagem. Soa deslocada do ambiente e da vivência de quem interpreta. Ninguém precisa concordar. Paterno, de Marcelo Lordello, diretor pernambucano que começou melhor que prosseguiu, não fez memória. A boa memória é de seus filmes anteriores. Não é fácil continuar.

“Nó”, de Laís Melo

Os estreantes em longa-metragem tiveram alguns dos melhores filmes e cenas entre as quase duas centenas de lançamentos em 2025. A frente de todos, , de Lais Melo, recebido com discrição, lamentavelmente, uma vez que, em matéria de ambiente familiar, universo do trabalho e protagonismo feminino, é dos filmes mais distintos, estranhos e bem interpretados (Patricia Sarandy). Precisa ser revisto e reavaliado por olhares mais atentos ao que não passa nos principais festivais internacionais e ao que não é premiado nos principais festivais brasileiros. Ou entramos mesmo em um nó crítico e estético difícil de desatar.

As outras estreias de destaque também esbanjam força. O “ensaio documental familiar em primeira pessoa” Neirud, que estreou com algum atraso, derramou vinagre no vinho tinto desse gênero de filmes de publicização das intimidades, colocando a família como um universo do qual se deve desconfiar e ao qual se investiga. O mineiro Pedro de Filippis fez em Rejeito o mais forte documentário sobre o tsunami de lama em Minas Gerais. Poucos filmes mostraram o esqueleto da luta social e política contra grandes empresas. Embora já tivesse realizado três documentários de longa duração, Mariana Brennand estreou em longa de ficção com Manas, filme com interpretações coletivas fortes e a situação de abuso contra menores sem reducionismos maniqueístas.

Um dos filmes mais badalados de anos recentes, Oeste outra vez, produção goiana de Eric Rasi, destacou-se pelo seu universo de machos sensíveis, com fragilidade à vista, em contraposição à maturidade e controle da direção. Também merece atenção, até por não ter tido, Pacto de viola, de Guilherme Bacalhao, produção de Brasília, com sua mistura de música e situações fantásticas. A Natureza das coisas invisíveis, de Rafaela Carmelo, de Brasília, lançado mundialmente na Mostra Generation no Festival de Berlim, foi outro querido dos festivais, com seu foco na vida após a morte (mas ainda em vida e não na morte). As estreias em longa estiveram entre os maiores destaques.

“Pacto da Viola”, Guilherme Bacalhao

Nos documentários, apesar da projeção internacional do ensaio político em primeira pessoa Apocalipse nos trópicos, de Petra Costa, lançado internacionalmente no Festival de Veneza, houve outros títulos, certamente menos projetados, mas também certamente mais expressivos. Além do já mencionado A queda do céu e Neirud, cabe lembrar de Luiz Melodia: No coração do Brasil, da estreante em longa Alessandra Dorgan, que nada tem a ver com a institucionalização dos documentários musicais biográficos.  Também vale cultivar a memória de Yõg Ãtak: Meu pai Kaiowa, de Sueli Maxacali, a maior documentarista brasileira em atividade no século 21, mesmo não tendo realizado, em 2025, seu filme mais forte ou digno de duradoura lembrança.

“Yõg Ãtak: Meu pai Kaiowa”, de Sueli Maxacali

Muitos dos filmes lançados não foram vistos ou não foram contemplados neste texto, uma vez que, em uma retrospectiva, o filtro é necessariamente frutose uma operação de seletividade e, em matéria de seletividade, a responsabilidade é inteira de quem seleciona os destaques, sem ter a ver diretamente com os filmes em si, mas sobretudo com a relação com os filmes vistos. Alguns desses lançamentos solicitam revisões críticas, outros cairão no automatismo do esquecimento, mas o mais importante é que, entre pontos altos, médios e baixos, entre assinaturas com filmografias menos ou mais extensas, a cinematografia mostra fôlego nas telas, mesmo não tendo tantos olhares direcionados para suas imagens.

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