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Entrevistas

Entrevista: José de Souza Alencar (Alex)

O jornalista lembra da experiência como assistente de Alberto Cavalcanti

Por Luiz Joaquim | 02.02.2001 (sexta-feira)

O colunista social Alex dispensa apresentações, mas nem todos conheceram o crítico de cinema Ralph – como assinava o jovem jornalista José de Souza Alencar nos anos 50. E poucos sabem que Alex foi o assistente de direção de Alberto Cavalcanti quando o cineasta esteve no Recife, entre 51 e 53, para rodar O Canto do Mar. Nesta entrevista, Alex conta como foi a relação do diretor com a socidade recifense; revela sua metodologia de trabalho; aponta os espaços escolhidos para locações; e fala do contubado lançamento do filme no cine São Luiz.

Como conheceu Alberto Cavalcanti?
Fui apresentado a ele por Lula Cardoso Ayres. Quando chegou ao Recife, em 51, Cavalcanti queria conhecer escritores, jornalistas, autoridades e personalidades da sociedade recifense. Eu fiz essa ponte para o cineasta, e isso causou uma ciumeira na mídia. Daí surgiu polos opostos no Recife, com relação a tudo que ele fazia.

Quando chegou no Recife, o diretor já tinha o elenco de O Canto do Mar definido?
Ele tinha a equipe técnica definida. Antes de tudo, procurou o Hermilo Borba Filho para discutir detalhes do roteiro e incrementar características regionais na história. Cavalcanti era muito britânico, tinha tudo organizado. Ficou instalado na Escola de Aprendizes de Marinheiros e veio com um diretor de fotografia russo, radicado na Inglaterra. Cavalcanti o conheceu lá, quando residiu na Europa por muitos anos.

O argumento e desenvolvimento de O Canto do Mar é bastante parecido com o de En Rade, que Cavalcanti rodou em 1927, na França.
Sim. No primeiro filme, um jovem saía de uma província francesa desejando chegar na América. No segundo, um jovem sertanejo, vivido pelo Rildo Saraiva, ansiava deixar o Recife para morar no Sudeste, mas esbarra no conflito de deixar a família desamparada – a mãe doente (Margarida Cardoso), o pai louco (Alfredo de Oliveira). Havia também um romance com a atriz Aurora Duarte. A diferença de um filme para o outro está na carga de elementos folclóricos de Pernambuco que Cavalcanti fez questão de registrar em O Canto do Mar. No filme se vê manifestações do maracatu, bumba-meu-boi e até um cena mostrando um xangô, rodado num galpão do Cais José Estelita.

Que outros locais foram usados como locação?
Muitas cenas foram gravadas em Marinha Farinha, onde morava a família do protagonista, em choupanas a beira-mar. As cenas do asilo com Alfredo de Oliveira iam ser realizadas na Tamarineira. Depois de alguns problemas, Cavalcanti resolveu usar o antigo hospital Pedro II, nos Coelhos, por causa dos belos portões de ferro. Teve uma filmagens histórica da Capela Dourada no Convento de São Francisco, e muitas no Recife Antigo, que naquela época era um reduto de prostituição. As imagens finais do longa começaram às 4h, no cais do Recife, para registrar o nascer do sol.

Como foi o lançamento do filme no Recife?
Aconteceu no São Luiz, e foi conturbado logo na entrada do cinema, quando mataram a tiros um deputado estadual de Pernambuco chamado Santana. Como disse antes, houve críticas elogiosas e outras tripudiantes. É que a sociedade da época dirigia muito preconceito contra a homossexualidade de Cavalcanti. O crítico Alexandrino Rocha era um que ao escrever, com o pseudônimo de Renata Cardoso, costumava ser bastante duro com o cineasta, o que deixou Cavalcanti bastante ressentido com o Recife.

Qual a lembrança mais marcante que ficou do cineasta?
A de um um homem muito culto, que só pensava em trabalhar. Durantes as filmagens de O Canto do Mar, ele lia várias livros ao mesmo tempo. Cavalcanti era o padrinho de Vanessa Redgrave, tendo sido muito amigo do pai dela, Michael Redgrave, de quem recebia constantes publicações da Europa. Lembro que Cavalcanti se deleitava com uma peça de Brecht chamada O Senhor Puntila e Seu Criado Matti. Liz com interesse de transformar num longa-metragem.

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