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Críticas

Saneamento Básico, O Filme

Jorge Furtado faz de seu quarto longa uma humorada homenagem ao cinema

Por Luiz Joaquim | 20.07.2007 (sexta-feira)

Parece que 2007 é o ano da fossa no cinema brasileiro. Não a fossa da depressão, do abatimento moral, mas aquela que guarda os dejetos humanos mesmo. Primeiro, o personagem de Irandhir Santos aparece em “Baixio das Bestas” como um abnegado a tentar construir um buraco para abrigar merda na Zona da Mata pernambucana. Agora, em “Saneamento Básico, O Filme” (Brasil , 2007), quarto longa-metragem do gaúcho Jorge Furtado, toda a comunidade formada por descendentes de italianos em Linha Nova, na Serra Gaúcha, quebra a cabeça para tentar conseguir R$ 8 mil e construir uma fossa para por fim ao mal-cheiro que se abate sobre a vila.

Ao contrário da fossa de Assis, a de Furtado é aqui símbolo das urgências relegadas por um país irregular com a aplicação de seus recursos municipais, governamentais ou federais. Mas, ao mesmo tempo em que ninguém discute a primazia de um saneamento para a saúde social de qualquer comunidade, Furtado se diverte, e nos diverte, ao por em confronto direto a importância do cinema (ou da cultura, numa perspectiva mais aberta) com as próprias urgências básicas do homem em sociedade.

Para quem já viu os sucessos “Houve uma Vez dois Verões” (2002), “O Homem que Copiava” (2003) e “Meu Tio Matou um Cara” (2005), é desnessário dizer que, ao contrário da estupefação lançadas por Cláudio Assis, Furtado uso o riso como arma. Muito riso, via humor refinado e aliado a espetadas de bons questionamentos humanos.

O filme inicia com Marina (Fernanda Torres, finalmente exorcisada daquele cansado tipo criado para “Os Normais”) convocando os moradores de Linha Nova (ou seria uma convocação ao próprio espectador que entra atrasado na sala de cinema?) para eles irem a sub-prefeitura reinvindicar o dinheiro para a obra. Um vez lá, descobrem que dinheiro para a fossa não tem, mas o Governo Federal concederá R$ 10 mil para a realização de um vídeo de ficção feito por moradores de cidades pequenas do país.

Já aqui reside a primeira piada de “Saneamento Básico”, mas é uma graça para poucos, pois são poucos que conhecem o real projeto “Revelando os Brasis”, lançado em 2005 pela Secretaria do Audiovisual do MinC, o Centro Técnico do Audiovisual (CTAV) e o Instituto Marlin Azul convocando os residentes em municípios com até 20 mil habitantes a virarem videastas e contar histórias sobre seu universo de vida.

“Saneamento Básico” é crítico sem ser militante. Se por um lado o pai de Marina, Otaviano (Paulo José ), representa o lado cético e arcaico do brasileiro, que questiona o porquê do governo investir em cinema quando não se tem nem uma fossa na vila – e esta nunca deixará de ser sempre uma questão sempre num país pobre-, por outro vemos o grupo formado por Marina e o marido Joaquim (Wagner Moura), além da irmã dela Silene (Camila Pitanga) e seu namorado Fabrício (Bruno Garcia), que se envolvem cada vez com o cinema e vão além da itenção primeira, que era apropiar-se da realização de um vídeo para conseguir o dinheiro da obra.

O filme é portanto uma declaração de amor ao cinema, assim como seu conterrâneo Carlos Gerbase já havia feito em “Sal de Prata” (2005) e o próprio Furtado nos curtas “Sanduiche” (2000) e “Barbosa” (1988). Mas diferente de Gerbase, Furtado fala em seu longa para os não iniciados no cinema. E o sucesso de “Saneamento Básico”, se ele vier, será, entre outras razões, por essa comunicação fácil com o espectador comum, ajudado, claro, Moura e Pitanga que, coincidentemente (será!?), está no ar, com sucesso, em novela da Rede Globo.

Há também um esmero e uma dinâmica na narrativa de Furtado que não deixa o publico dispersar a atenção. O filme é redondo, não tem sobras nem arestas a serem podadas, e os atores estão visivelmente a vontade e por isso mais interessantes.

Dono de uma erudição e profundo conhecimento de cinema, Furtado é sem dúvida um autor e, talvez, o mais acessível cineasta para o espectador comum de cinema no Brasil; sem que para isso o faça de fantoche, direcionando as emoções do público ao óbvio e o fazendo rir pelo exagero, pelo grosseiro ou pelo grotesco, como assim tentam dezenas de porcarias no cinema nacional.

Furtado faz rir embalado por uma história, com personagem que parecem existir dentro do nosso mundo. E, sendo personagem ordinários, que podemos encontrar na esquina de casa, daí a identificação, a aceitação e o riso fácil.

Alem disso, há ainda o bom cinema. Furtado sabe que a graça tem um timing. Um tempo para maturar em determinadas seqüências, e isso é respeitosamente obedecido em “Saneamente Básico”. Se não fosse, a gente não riria com as brigas bobas do casal Marina e Joaquim, ou das rinhas entre Otaviano e Antônio (Tonico Pereira). Vide também a seqüência de despedida de Joaquim para sua moto ao som de um clássico italiano. É cinema, dos bons.

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