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Críticas

Os Incríveis

Animação para adultos

Por Luiz Joaquim | 06.12.2004 (segunda-feira)

Fãs de heróis em quadrinhos ficaram excitados quando souberam que a Disney/Pixar estava desenvolvendo uma animação a qual subvertia a seriedade por trás dos sombrios superseres que permeiam o imaginário infanto-juvenil de várias gerações. Esta animação, ‘Os Incríveis’ (The Incredible, EUA, 2004), entra em cartaz no Brasil amanhã e de certa forma satisfaz esses ansiosos consumidores de fantasia super-heróica, mas também, de certa forma, decepciona os entusiastas por uma fábula contada via animação.

No primeiro caso, ‘Os Incríveis’ agrada por escrachar com as eternas situações de identidade dualista (secreta e pública) do herói como acontece com Peter Parker e o Homem-Aranha, com Clark Kent e o Super-Homem, com os cidadãos e os mitos. No desenho animado, o diretor e roteirista Brad Bird não só brinca com o mito do super-herói, mas principalmente com o conformismo de uma sociedade padronizada e ultra ‘politicamente correta’. O filme vai fundo ao mostrar como a pressão de papeis sociais para uma dona de casa ou um funcionário de uma agência de seguros pode ser danoso se eles não foram moldados para aquela função.

O agente da seguradora e a dona de casa são, respectivamente, o Sr Incrível (em inglês, voz de Craig T. Nelson) e a Mulher-Elástico (voz de Holly Hunter). Hoje eles já não são mais jovens e trabalham duro para cuidar dos filhos: a adolescente Violeta (com poder de desaparecer), o garoto Flecha (com sua super-velocidade), além de um bebê com poderes inicialmente não revelado. Mas a grande tristeza do Sr. Incrível está mesmo no fato de lhe ser restringida a liberdade de salvar a sociedade. O filme mostra que o Sr. Incrível, e todos os outros supers, são heróis por natureza, o que denota uma natural propensão para salvar os oprimidos. Mas o irônico aqui está no fato de o ‘oprimido’ (pelas regras da sociedade) são os próprios supers.

É que, há quinze anos, eles foram impedidos por lei de salvar os humanos, uma vez que, fazendo isso, podiam lhe causar danos morais e econômicos, como aquele que o filme (ironicamente) mostra quando um suicida, ao ser salvo pelo Sr. Incrível, abre um processo judicial contra o super por este ter lhe impedindo que se matasse. Ou quando o Sr. Incrível evita que um trem caia de um penhasco, salvando centenas de passageiros, mas contraindo para si uma dívida com o Estado pelos estragos feito a rede ferroviária.

Essa confusão de sentidos do que é bom e ruim, sugerida no enredo pelas leis e pelos advogados, é o que existe de fustigante em ‘Os Incríveis’. Mas este mérito trás em si um problema. É que estamos falando de um desenho animado, e essa triste piada (está mais para uma ironia) funciona num nível intelectual fora da gama de humor que seu público em potencial (repito, a criança e o adolescente) consegue assimilar. E mesmo assimilando, não reage comicamente a esse estímulo.

Pelo lado fabuloso premente em qualquer historia animada, ‘Os Incríveis’ deixa a desejar pelo motivo relatado acima. Ou seja, se o ponderável é tão tristemente determinante para o rumo da vida dos superpersonagens, para as crianças e o espectador em geral, isso não soa nada divertido. É claro que os espinhos burocráticos da sociedade que entravavam e evolução da vida podem ser aproveitados de maneira cômica num desenho ou em qualquer história, mas aqui parecem não produzir nenhum efeito de dinamismo narrativo.

E quando a superfamília parte para a ação, para combater um supervilão a altura deles, o filme já está cercado por uma areia movediça onde a narrativa é sugada por uma serie de situações que remetem a outras já gastas pelo cinema. É curioso observar a infelicidade de ‘Os Incríveis’ ter sido lançado depois de ‘Homem-Aranha 2’ , cujo vilão Octopus e o episódio do trem desgovernado assemelham-se aos problemas enfrentados pela família ‘Incrível’, dando assim um gosto de Deja Vu às mirabolantes soluções da história.

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