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Críticas

Quase Dois Irmãos

Obra se propõe (bem) a refletir sobre os últimos 50 anos do Brasil

Por Luiz Joaquim | 25.04.2005 (segunda-feira)

Pode se dizer que “Quase Dois Irmãos” (Brasil, 2004),
em cartaz no Box Cinemas (shopping
Guararapes, Jaboatão dos Guararapes, PE) desde
sexta-feira, é uma obra que reflete os últimos 50 anos
do Brasil. Mas o filme de Lúcia Murat vai além ao
sugerir um questionamento sobre o Brasil de hoje.
Quando visto por essa ótica, o trabalho soa ainda mais
fértil.

Fecundidade sócio-política não é a única qualidade
desta obra que congrega talento tanto em áspectos
técnicos quanto artisticos. Há uma bem-vinda sintonia
de brasilidade na obra da diretora que o torna
distinto de outros segmentos do cinema nacional de
hoje, que vem buscando avidamente uma linguagem
universal a fim de alcançar o mercado estrangeiro e o
espectador televisivo. A beleza estética no filme de
Murat está na identificação imediata que este dialoga
com o brasileiro comum. Isso acontece porque, entre
outros aspéctos, a camada estética não se sobrepõe a
camada idelógica do filme, e vice-versa.

Como se já não fosse difícil atingir esse nível de
comunicação com o espectador brasileiro, Murat ousa
contar sua história sem obedienca cronologicamente
linear, e nunca perde o prumo ao nos levar a
trajetória de vida dos amigos Miguel e Jorginho. O
primeiro é branco, filho de um jornalista que adorava
as rodas de samba nos morro cariocas dos anos 1950. O
segundo é negro, filho de um dos maiores sambista
(vivido por Luís Melodia) dessa roda na qual o
primeiro era levado pelo pai.

Nos anos 1970, os dois amigos se re-encontram numa
penitenciaria da Ilha Grande, onde presos políticos
misturam-se com presos “comuns”. O branco (Caco
Ciocler) é um “subversivo”, o negro (Flávio Bauraqui,
excelente) um assaltante comum. Em 2004, vemos o mesmo
negro (Antonio Pompeo) numa outra cela, de onde
comanda, por celular, o tráfico de drogas no morro.
Quem o visita é, o agora deputado, Miguel (Werner
Schünemann), querendo implantar um projeto cultural e
esportivo na comunicade de Jorginho.

O primeiro momento histórico do filme funciona apenas
como bússula situando a origem dos dois protagonistas.
Já nos anos da ditadura, na penitenciária, Murat
exemplifica com maestria a dicotomia entre o discurso
militante e a vida prática. Mesmo dentro de uma
penitenciária, a organização do “coletivo” não
consegue por ordem diante do então gêne do Comando
Vermelho. Em 2004, o contraponto aparece na relação da
filha adolescente de Miguel (Maria Flor) com um jovem
lider do tráfico.

Uma das falas de Marieta Severo, mãe de Miguel nos
dois últimos períodos, sobre essa relação da garota com o
traficante expressa bem toda a intenção do filme.
Marieta diz: “Não dá pra entender!”. É por não trazer
nenhuma resposta (apenas reflexões) para as questões
desenhandas nos três períodos históricos que “Quase
Dois Irmãos” se posiciona num patamar do qual propor
pensar é mais importante que explicar.

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