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Críticas

Boa Noite, Boa Sorte

Vocação pela ética jornalística

Por Luiz Joaquim | 13.01.2006 (sexta-feira)

Ao entrar num cinema para ver “Boa Noite, e Boa Sorte” (Good Night, and Good Luck, EUA, 2005), importante filme de George Clooney que entra em cartaz em duas salas no Recife, o espectador deve atentar para o fato que ele pode estar vendo o vencedor da categoria ‘fotografia’, ‘roteiro original’ e ‘direção de arte’ do Oscar 2006. A produção também concorre, próximo dia 5 de março, ao título de melhor filme, direção e ator (David Strathairn). As reais chances, entretanto, de “Boa Noite…” são mesmo nas três categorias anteriores.

Isso porque, neste segundo longa-metragem dirigido por Clooney (o primeiro foi “Confissões de Uma Mente Perigosa”, 2002), o que sobressalta são as nuanças cromáticas e a palavra; principalmente as que saem da boa de Edward M. Murrows (Strathairn), figura a partir da qual o filme é centrado quando fala de um período negro para a liberdade de expressão na cultura norte-americana. Em outras palavras: censura e abuso de poder.

Murrows era um respeitado âncora do canal CBS, no início dos anos 1950, época em que a TV ainda dava os primeiros passos, mas já mostrava a força que hoje bem-conhecemos, e a responsabilidade social que hoje mal-conhecemos. Em 1953, Murrows apresentava o programa “Person to Person” (uma espécie de ‘Cara a Cara’ com Marília Gabriela) quando entrevistava personalidades, mas ele era respeitado mesmo por ‘See It Now’, espaço onde tinha liberdade para expressar, como um editorial da emissora, sua indignação contra incoerências políticas do governo de seu país.

Num desses programas, Murrows e seu produtor Fred (George Clooney) colocam no ar uma reportagem mostrando o depoimento de um piloto da aeronáutica acusado, sem provas e julgamento, de ser um risco para a segurança nacional. Acuado pela cruzada do senador Joseph McCarthy, o militar teria de acusar seus pais de comunistas para manter-se no emprego.

Murrows ficou conhecido como o único nome da mídia que enfrentou a paranóia de McCarthy nos anos pós-guerra, responsável por gerar o exílio de dezenas de artistas estupidamente acusados de filiação ao comunismo. Segundo o filme de Clooney, foi a partir de um editorial de Murrows, em 1954, explicando a estratégia de McCarthy quando convencia pelo medo, que a ruína do senador tomou início.

Strathairn está impecável como Murrows. O roteiro (de Clooney e Grant Hesloy) lhe dá falas precisas, que o ator interpreta com uma altivez assustadora e hipnótica. Não só pela mise-en-scéne , emoldurada pela beleza da imagem em P&B, mas também pela força de seu conteúdo ético. Alguns dos textos lidos no filme por Strathairn são os originais, escritos por Murrows há mais de 50 anos, o que nos faz perguntar quando foi que a televisão (ou jornalismo, como um todo) relaxou em sua vocação, optando pelo entretenimento em oposição à informação e à investigação séria.

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