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Entrevistas

Entrevista: Edgar Navarro (Superoutro)

A forma mais eficaz de combater uma doença social é colocá-la no ridículo

Por Luiz Joaquim | 01.02.2007 (quinta-feira)

Um clássico do cinema brasileiro recebe, finalmente, uma edição digna em DVD: o média-metragem “Superoutro” (1989), do baiano Edgard Navarro. A história alucinada e tragicômica de um louco de rua de Salvador que tenta se libertar da miséria fez muitos fãs nesses quase vinte anos. Tanto que, durante seu pré-lançamento em 2007, no Festival de Brasília – que consagrou em 2005 seu filme mais recente, “Eu Me Lembro” – , as 20 cópias feitas pelo próprio diretor se esgotaram em poucos minutos. No Recife, o lançamento oficial do filme acontece na quinta-feira (07-fev) às 19h, na Livraria Cultura (Recife), com a presença do diretor. Ao chegar ao Recife para aproveitar o Carnaval, o realizador conversou com a Folha de Pernambuco. Daqui, a obra deve ser lançada também em Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo.

O DVD de “Superoutro” foi lançado de maneira informal no último Festival de Brasília, mas Recife é a primeira capital onde a obra será lançada oficialmente. Por que a escolha?
“Além de adorar a cidade, Recife foi onde comecei a fazer minha carreira no formato Super 8. Participei de três festivais aqui deste suporte, em 1977, 1978 e 1979, e venci logo no primeiro ano com “O Rei do Cagaço”. Depois dessa participação me tornei mais conhecido e também fiquei amigo de figuras como Jomard Muniz de Brito, Fernando Spencer, Geneton Moraes Neto, Celso Marconi e Amin Stepple.

Do que se trata “Superoutro”?
É uma retomada mais anárquica de uma trilogia de inspiração freudiana que fiz nos anos 70, com “O Rei do Cagaço” (fase anal), “Alice no País das Mil Novilhas” (fase oral) e “Exposed” (fase fálica). Por sinal, foi em Recife que filmei a imagem central desse último. Havia um canhão no Parque Treze de Maio que era um símbolo fálico e, ao mesmo tempo, simbolizava a insegurança do poder constituído. Mas, voltando a “Superoutro”, ele é uma salada de clichês e conceitos, um filme antropofágico.

Você acha que o personagem louco e libertário de “Superoutro” poderia ser filmado ainda hoje?
Sem dúvida, porque quem faz a hora e não espera acontecer é cada um. Se está tudo contra do lado de fora, acho que o espírito libertário do artista é incendiário por natureza. Minha vocação é misturada com esculhambação e avacalhação. Nietzche dizia: “todas as coisas boas riem” e acredito muito nisso. A forma com que eu lidava com o coronelismo de Antônio Carlos Magalhães era fazendo uma “performance”, uma palhaçada. Sempre acreditei que a forma mais eficaz de combater essa doença social é colocá-la no ridículo. Mas, ao mesmo tempo, ele é um personagem tragicômico, porque ele não tem como sair daquela situação de miséria onde ele vive.

Como você vê a repercussão do filme?
É muito bom ver que os jovens adoram “Superoutro”. Soube até que uma banda do Recife foi batizada em homenagem ao filme. Nele há um sentido de catarse e vitória da platéia muito grande. Talvez seja esse trabalho o que tenha me dado mais prazer, porque faz mais o gosto das platéias sem amarras, as que mais amo. Já em “Eu Me Lembro”, por exemplo, eu percebo que as platéias mais conservadoras são as que preferem o filme.

O que você pretende lançar a partir de agora?
Também quero lançar em DVD um apanhado dos meus curtas-metragens e vídeos, incluindo “Talento Demais” (1995), um trocadilho sobre a situação do audiovisual da Bahia naquela época, em que havia muito talento, mas a produção tava “lenta demais”. Mas esse ano devo filmar um projeto antigo, de 30 anos, chamado “O Homem que Não Dormia”. Esse longa tá com um orçamento de R$ 4 milhões e deve ser filmado entre junho e julho. É uma parábola sobre o conhecimento de si mesmo, com um homem que carrega um grande peso.

Então como você vê a produção atual da Bahia?
No meio dos anos 1990, o Brasil retomou sua produção de filmes e a Bahia ficou de fora. Só no fim dessa década os cineastas de lá começaram a produzir e o primeiro edital estadual – que ganhei com “Eu Me Lembro” – só saiu em 2001. O cineasta baiano continua atormentado, como um Prometeu crucificado que tem em volta vários abutres, assim como aparecia em “Meteorango Kid”, o filme de André Luiz Oliveira que fez a virada do cinema baiano para a Idade Moderna. Mas agora tô botando fé, já que tem uma porrada de gente fazendo filme, como Sofia Frederico (“Vermelho Rubro do Céu da Boca”) e Daniel Lisboa (“O Fim do Homem Cordial”).

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