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Críticas

Macunaíma

Filme guarda na tela a audácia literária de Mário de Andrade

Por Luiz Joaquim | 03.08.2007 (sexta-feira)

Não há como evitar o riso logo na primeira imagem projetada por Macunaíma, a adaptação realizada por Joaquim Pedro de Andrade em 1969 para o homônimo romance Modernista escrito por Mário de Andrade em 1928. É um riso que vem pelo absurdo da situação mostrada, com Paulo José ao berros, travestido como uma velha a parir o bebê Grande Otelo; e é um riso que encontra mais fôlego no despojamento das relações entre si e com o universo que cerca os personagens brasileiros em foco no filme.

Quatro décadas separam a obra literária da cinematográfica e cada uma, a seu modo e em seu terreno de funcionamento, quebrou paradigmas narrativos e discursivos. Se no romance Mário de Andrade chamava a atenção para as raizes do Brasil e seu folclore, tentando imitar na escrita o modo de falar e os provérbios do brasileiro (“sonhei que caía meu dente, é morte de parente”) e assim desvinculando-se do Romantismo; o filme de Joaquim Pedro é reconhecido como um dos derradeiros representantes do Cinema Novo, mas utilizando-se de concepções estética rejeitadas pelo movimento e com características mais próximas da Chanchada. O humor é seu bastião maior para sugerir uma reflexão sobre a realidade brasileira.

O resultado foi espetacular. Macunaíma foi considerado por muitos (crítica e público) o melhor filme brasileiro de 1969. Além de eleito melhor filme no Festival de Mar del Plata e de Brasília (onde arrebatou também os troféus Candagos de cenografia, figurino e melhor ator para Grande Otelo e coadjuvante para Jardel Filho) a obra ficou por quase um ano em cartaz circulando pelo País, levando multidões aos cinemas.

A popularidade vinha pelas gargalhadas e as gargalhadas vinham pela identificação com o “herói de nossa gente” e suas presepadas. É um Macunaíma negro (Grande Otelo), que pula de feliciade ao ficar branco (Paulo José) quando passa por uma fonte milagrosa, e cujo expressão preferida é “Ai, que preguiça!”. O “nosso herói” é um sem caráter que adora dinheiro e as sem-vergonhices do sexo (não necessariamente nesta ordem).

Sob uma trilha sonora que vai de Francisco Alves e Silvio Caldas até Roberto Carlos e Jorge Ben, e apoiado por um elenco estupendo, orientado para encontrar na extravagância da caricatura a expressão adequada a compor está fábula, Joaquim Pedro consegue criar uma atmofesra única no cinema nacional. Fala do Brasil e do brasileiro fazendo-o rir de sua moral, virtude e vício.

Seja quando Macunaíma é perseguido pelo Curupira a gritar “carne da minha perna”; seja no discurso em praça pública num “feriado inventado” – quando nosso herói se rebela dizendo que o símbolo do Brasil não são as estrelas do Cruzeiro do Sul, mas sim o futebol, o maruím, a muriçoca, a frieira e a espinhela-caída -; ou seja no candomblé, através do qual se vinga do burguês antropofágico Venceslau Pietro Pietra (Jardel Filho), é o Brasil que está a desfilar na nossa frente em sua forma mais autêntica e corajosa.

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