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Críticas

4 meses, 3 semanas, 2 dias

Coragem e amizade em tempos de autoritarismo

Por Luiz Joaquim | 07.02.2008 (quinta-feira)

Em dezembro de 2008, quando começarem a pipocar as listas presunçosas dos 10 melhores filmes do ano você vai ler entre eles o nome “4 Meses, 3 Semanas, 2 Dias” (4 Luni, 3 saptamani si 2 zile, 2007), obra realizada por Cristian Mungiu lá na Romênia. Você sabe onde localizar o país no mapa mundi? Bem, cinéfilos do mundo inteiro já sabem. Isso porque desde 2005, com o filme “Moartea Domnului Lazarescu” (A Morte do Senhor Lazarescu, inédito no Brasil), este país do leste européu proveu o festival de cinema mais importante do mundo, Cannes, com cinco obras perturbadoras. Elas fizeram abrir os adormecidos olhos ocidentais para sua cultura rica de humor e tristeza humana, e com um talento cinematográfico inconteste para contar boas histórias.

“4 meses…”, que pode ser visto a partir de amanhã no Cinema da Fundação e no Box Guararapes (Grande Recife), é a coroação maior desse novo cinema que vem chamando a atenção do mundo. Vencedor do prêmio máximo de Cannes, a Palma de Ouro, no ano passado, o longa-metragem de Mungiu entrou em cartaz em Manhattan no último dia 25. O diário The New York Times, que deu ótima crítica na mesma data, publicou uma matéria especial dias antes falando da ‘Nouvelle Vague no Mar Negro’.

O texto lembrava que, em apenas três anos, o pais deu cinco filmes que não passaram despercebido no importante festival da Riviera Francesa. Entre “Lazarescu” e “4 Meses…”, em 2006 surgiram “Cum mi-am Petrecut Sfarsitul Lumii” (Como eu Aproveitei o Fim do Mundo, inédito no Brasil), de Catalin Mitulesco, e “A Leste de Bucareste”, de Corneliu Porumboiu, já exibido no Recife. No ano seguinte, a mostra paralela ‘Um Certo Olhar’ de Cannes deu seu prêmio a “California Dreamin”, do precocemente falecido, aos 27 anos, diretor Cristian Nemescu.

ABORTO, TOTALITARISMO
Seja pelo humor ou pelo drama, o cinema romêno parece muito interessado em rever sua história política. Lêia-se, o recente fim do governo totalitarista de Nicolae Ceausescu, em 1989, e o legado de sua ditadura que durou 24 anos. Se em “A Leste de Bucareste” a opção foi pela graça, encenando um debate inacreditavelmente tosco numa TV romena, nos dias de hoje, sobre a “revolução” que “derrubou” Ceausescu, em “4 Meses…” é a dor da impotência e a amizade entre duas universitárias, companheiras de quarto, que pontuam a atmosfera aqui.

Uma delas, a frágil Gabita (Laura Vasiliu), prepara-se para cometer um crime que pode lhe render cinco anos de prisão: abortar o feto que carrega no ventre pelo tempo que o nome do filme sugere. É 1987, e planejar algo assim naquela época custa muito dinheiro e risco, principalmente de saúde uma vez que as opções de intervenção clínica são tenebrosas.

Mungiu,com domínio extraordinário na dosagem de tensão, vai liberando muito pouca informação ao seu espectador que, como sua câmera sem movimento, é apenas um observador impotente do martírio de Gabita. Uma câmera, vale salientar, que não impõe pré-julgamentos ou discursos.

Não obstante, é a Otília (Anamaria Maninca) que a história de Mungiu quer acompanhar. A companheira de Gabita não mede esforços para ajudá-la e, aproveitando-se disso, o aborteiro pervertido parece testar os limites dessa amizade.

Algumas leituras de “4 meses…”, principalmente a partir da personagem de Otília, podem remeter às condições de humilhação pelas quais os romenos se sujeitaram no governo de Ceausescu. Outras podem remeter à força da amizade entre as duas moças. E mais algumas podem suscitar reflexões sobre a brutalidade e violência que significa fazer um aborto.

Em nenhum momento moralista, Mungiu, 39 anos, nos deixa livre para entendermos e extraírmos o que quisermos desse conto tenebroso sobre todas essas três questões e muitas outras que possam dali derivar

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