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Críticas

O Moinho e A Cruz

A transmutação de uma pintura

Por Luiz Joaquim | 27.07.2012 (sexta-feira)

É raro um filme que já em suas imagens de abertura explica de forma competente uma síntese da sua pontencialidade plástica e narrativa. O que não é raro são a discussão e as tentativas de adequações de outras obras de arte para o cinema. “O Moinho e A Cruz” (O mylos kai o stavros, Pol., 2011), de Lech Majewski que estreia no Cinema da Fundação, é talvez a mais bem sucedida no campo da adaptação de uma pintura para um filme. O quadro que serve de base para tudo é, no caso, “O Caminho do Calvário”, do artista plástico no século 16, dos Países Baixos, Pieter Bruegel.

Como criar vínculos entre personagens e histórias a partir e uma perspectiva única e bidimencional, a do quadro de Bruegel? Considerando a obra deste artista – cuja imagem reúne vários personagens –, o trabalho de Majewski se dividiu em duas partes. Recriar e interligar as situações de alguns destes personagens que inspiraram o pintor, e usar o próprio cenário em tintas de Bruegel para funcionar como paisagem destas situações.

É provável que ninguém, até hoje, tenha fundido imagens reais, fotografadas com atores, com expressões concretas de uma pintura de maneira tão hipnótica e numa comunhão tão orgânica quanto Majewski faz aqui. E para atar os pontos de ligação das situações dos personagens, as mãos de Majewski seguem a maneira mais eloqüente que o cinema pode produzir, ou seja, ele pouco se utiliza de diálogos.

De forma que a história, que se passa em Flandres, hoje Bélgica, durante a ocupação espanhola, gira em torno dessa opressão dos galegos, num mesmo momento em que a Virgem Maria (Charlotte Rampling) sofre com o calvário de Cristo, que Judas se arrepende da traição, que um fazendeiro é torturado, e um burguês (Michael York) fica indignado com o contraste da brutalidade dos espanhol contra a humildade cristã. Há também o próprio Bruegel (Rutger Hauer, o eterno replicante Roy, de “Blade Runner”) na história.

Bruegel é o principal interlocutor do espectador, que explica sua técnica – inspirado na lógica da têia de uma aranha – para a criação de seu famoso quadro; além da razão de um moinho aparecer no lugar da imagem onde tradicionalmente seria a de Cristo num quadro religioso da época. Para Bruegel, era a função do artista traduzir o esplendor e a importância de um momento fugaz, destes que ninguém presta atenção mas é tão valioso quanto aquele que a História trata de perpetuar.

Apesar dessa reflexão belamente orquestrada em “O Moinho e A Cruz” é a imagem que manda aqui. Na verdade, o som é algo a ser observado também. Uma vez que estamos falando de cinema., Majewski apropriou-se do som e seus requintes e sutiezas (e grandezas) como um esforço extra para dar ainda mais concretude a metamoforse em movimento do quadro de Bruegel. Não há outra palavra para o que foi alcançado aqui: é lindo.

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