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Entrevistas

Entrevista: François Truffaut

Truffaut por Truffaut

Por Luiz Joaquim | 21.10.2014 (terça-feira)

Há exatos 30 anos, o mundo recebia a notícia de que a França perdia para um tumor no cérebro seu mais querido cineasta. François Truffaut morria em 21 de outubro de 1984 aos 52 anos. Deixava uma obra de 26 filmes que não apenas encantava o público mas revolucionava o própria cinema e nos ajudava a refletir sobre o homem e suas paixões pelo cinema, pela mulher, a literatura e as crianças.

Inspirado num exercício jornalístico feito por Fernando Spencer (1927-2014), que nos anos 1980 publicou entrevista com Charles Chaplin (1889-1977) a partir de comentários que o cineasta deu ao longo da vida, oCinemaEscrito publica uma “entrevista” com Truffaut sobre seu alter-ego, o personagem Antoine Doinel.

Sempre interpretado pelo ator Jean-Pierre Léaud, Doinel aparece em “Os Incompreendidos” (1959), “Antoine e Colette” (1962), “Beijos Proibidos” (1968), “Domicílio Conjugal” (1970), e “O Amor em Fuga” (1978). Abaixo, Truffaut fala como decidiu encerrar no último filme um ciclo de inocência e desconstrói a personalidade de sua criação mais venerada. Dessa forma, o homem que amava as mulheres acaba por falar de si próprio.

ENTREVISTA : François Truffaut

Você se sente satisfeito com o uso que fez do material reunido em “O Amor em Fuga” ou algo ficou incompleto?

Não, isso não me satisfez plenamente. Pedi a colaboração de amigos para trabalhar comigo, pois desconfiava das escolhas que eu faria dos trechos dos filmes de Doinel. Eu temia escolher em função das qualidades das cenas bem interpretadas, com boa iluminação, quando sabia que não era isso que importava, mas sim pensar sobretudo na narrativa.

Há planos escolhidos para “Amor em Fuga” em função da técnica e não da narrativa?

Há trapaças enormes, como falsos flashbacks. Por exemplo, a discussão entre Doinel e Lilliane vem de “A Noite Americana” [filme de Truffaut também interpretado por Léaud]. Eu não queria que ninguém saísse do cinema dizendo “Todo material antigo é bom, e todo material novo é ruim”.

Essa trapaça corresponde ao estado de espírito de Doinel?

Sim, enquanto rodava “Amor em Fuga” pensava bastante em “Verdades e Mentiras” (“F for Fake”, de Orson Welles), filme que observei detalhadamente pela utilização da mentira. Não autenticamos um flashback pelo seu ponto de partida, mas pelo ponto de retorno.

Poderíamos imaginar um Doinel aos 70 anos, em 2014?

Eu já tinha pensado em terminar o Doinel depois de “Domicílio Conjugal”, mas o dono do Cinema Dagmar, na Dinamarca, me disse que exibiu todos os Doinel em forma de ciclo. Me dei conta que muitos jovens acompanharam Doinel crescer, amar e envelhecer, e aí me deu vontade de fazer o quinto e último filme.

Por que diz que “Amor em Fuga” é o último?

Nem tudo é fácil nessa história. As limitações são enormes na medida em que ele é uma espécie de marginal sem sequer ter consciência disso. Fiz ele evoluir quase que a margem da sociedade; inconscientemente chegamos a um somatório de impossibilidades com ele. Em torno dele há restrições, uma espécie de solidão povoada evidentemente de presenças femininas e pouco contato com homens. Doinel vive tentando se encaixar nessa época de contestação em que vivemos.

Doinel atingiu um ponto em que se pode recapitular a vida, fazer uma introspecção?

Isto pode ser feito em qualquer idade. Nas primeiras versões do roteiro, Colette era psicanalista. Doinel tinha uma depressão ia tentar se tratar com ela. Abandonamos a ideia porque a análise é muito complexa para ser simplificada dentro do humor do filme. Foi aí que Marie-France [atriz que interpreta Colette], deu a ideia de fazer uma advogada. Mas minha primeira ideia era colocar Doinel num divã.

Podemos dizer que Doinel tira lições de sua lembranças?

Diante da vida Doinel jamais reage intelectualmente, mas emocionalmente. Como ele “evolui”? Eu cito Scott Fitzgerald. “Toda vida é um processo de demolição”. A vida não descreve um movimento ascendente. Haverá sempre mais viço no rosto de uma criança. Se tiver de descrever Doinel, diria que ele é animado de uma espécie de coragem. Só se sente bem em situações extremas. É o contrario de um personagem excepcional, de um herói; mas ao contrário dos personagens médios, não se acomoda. Ou está profundamente desiludido ou desesperado, a ponto de temermos por ele; ou se encontra em tal excitação e entusiasmo que nos empolga, e isso é o que é divertido nele.

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