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Críticas

Cinquenta Tons de Cinza

Quem é o papai?

Por Luiz Joaquim | 12.01.2015 (segunda-feira)

Parece óbvio, mas a primeira informação que precisa estar clara num texto sobre um filme adaptado de um livro – particularmente um best-seller – é que tal texto diz respeito às qualidades ou deficiências do filme, não do livro. Isto estabelecido, as mais de 40 milhões de fãs espalhadas nos 37 países em que o romance”Cinquenta Tons de Cinza”, de Erika L. James, foi devorado devem entender que, antes de ir ao cinema para assistir a adaptação, convém segurar as expectativas.

Não que o romance merecesse um Prêmio Nóbel da literatura, mas o que o brasileiro – principalmente as brasileiras – encontrarão nas salas de cinema a partir de hoje é um conto pudico. Pode-se dizer que pudor é, no caso, um pecado em se tratando de um história cujo cenário de fundo é a busca do prazer pelo sexo incomum. O que temos neste filme é a condução tradicional de uma história que se traveste de sofisticados (o filme e a história) tentando com bastante maquiagem converter a sua real essência. Essência que é ser um conto de fadas da princesa que encontra seu príncipe.

Se fosse infantil, o conto concluiria quando a princesa casasse com o príncipe por enxergá-lo perfeito. Se fosse além do casamento, ou seja, descobrindo-se que o príncipe não é perfeito, o conto deixaria de ser infantil; mas tal condição não o tornaria automaticamente um conto adulto. Tornas-se apenas um conto juvenil, parcamente hábil a excitar conflitos complexos próprios de um público maduro (mesmo que apenas sexualmente maduro).

Assim como as recentes adaptações de “O Senhor dos Anéis” e “Harry Potter”, a também trilogia “Cinquenta Tons de Cinza ” (Fifty Shades of Grey, EUA, 2014), dirigido pela inglesa Sam Taylor-Johnson, deverá agradar, e muito, a um nicho bastante específico de espectador, quero dizer espectadoras, do mercado. A diferença aqui está na postura de obras como “Anéis” e “Potter” que declaradamente assumem o espírito fantasioso medieval e juvenil que são, enquanto “Cinza”, o filme, vende-se como uma história adulta sedutora pela audácia e polêmica.

Não há audácia cinematográfica, e se houver polêmica será por razões cansadas, velhas, mas que o próprio mundo contemporâneo gosta de resgatar.

Falando de cinema, as imagens de amor disfarçadas de brincandeira sadomasoquismo (a busca do prazer sexual pela dor, dominação, submissão) muitas vezes soam como uma publicidade do perfume Channel. Tal comparação já diz muito das opções de Taylor-Johnson para traduzir em imagens as taras do Sr. Grey (o ator Jamie Dorman).

Aos 27 anos, Christian Grey (cinza, em inglês) é um dos bilionários solteiros mais cobiçados da América. Dono de um império em Seattle, ele recebe a tímida e virgem estudante de literatura inglesa Anastacia (Dakota Johnson) para conceder-lhe entrevista. A química entre os personagens é imediata e Grey, sendo o executivo bem sucedido que é, decide que terá Anastacia. Mas ele não é um bruto, ele a conquista.

Há apenas um impeçilho. Seus gostos sexuais são incomuns e, ele sendo civilizado e absurdamente rico (tem muito a perder), toma o cuidado de pontuar toda sua relação com a moça por meio de um contrato que preservará a imagem dele, aconteça o que acontecer.

Um outro fenômeno juvenil cinematográfico recente, a saga “Crepúsculo” (mais uma trilogia), utiliza-se do mesmo princípio de sedução para criar seu heroi masculino tal qual é visto neste “Cinquenta Tons de Cinza”. Se o grande apelo que dividia o amor de Bella (Kristen Stewart) entre Edward (Robert Pattinson) e Jacob (Taylor Lautner) em “Crepúsculo” era o fato de um ser um gentleman romântico e o outro ser um bruto indomável, no caso de “Cinza”, temos as duas personalidades antagônicas num mesmo homem.

Tal questão (“ele é tão romântico, mas por que faz coisas questionáveis?”) que parece ainda intrigar a mulherada adulta na verdade já foi muito bem impressa há mais de 120 anos no romance “O Estranho caso de Dr. Jekyll e o Sr. Hyde”, de Robert L. Stevenson (famoso no cinema como “O Médico e O Monstro”).

E no que diz respeito a atualidade de “50 Tons” como cinema (estética ou politicamente), ele também parece atrasado no mínimo 29 anos. Em 1986 um ator pouco conhecido interpretou um executivo misterioso. Ele conquista uma linda mulher que encontra na rua. Ela se apaixona, mas precisa entrar em seu jogo de dominação sexual para continuar a relação. Ela era a atriz Kim Basinger, o filme era “9 1/2 Semanas de Amor”, de Adrian Lyne, e o papel masculino revelou Mickey Rourke, que passou a ser chamado na época de “o novo Marlon Brando”.

É verdade que as imagens vistas no sucesso criado por Lyne depois foram copiadas em diversas publicidades, principalmente de motel, mas, ao menos seu filme não esterotipava seu casal com psicologia de almanaque como acontece no roteiro de “Cinza” que se arrasta por 135 minutos sugerindo algo que nunca nos dará.

SEQUÊNCIAS – Fenômeno editorial, a “Trilogia Cinquenta tons de cinza” conquistou o mundo. No Brasil, mais de 900 mil livros foram comercializados em 80 dias, uma média de 468 exemplares por hora. Ao todo, a obra é dividida em três livros: “Cinquenta tons de cinza”; “Cinquenta tons mais escuros”, em que Ana e Christian lutam para superar as diferenças e os problemas do passado e enfim ficar juntos; e “Cinquenta tons de liberdade”, com o aguardado desfecho do casal.

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