40. Mostra de SP (2016) – dia 4
O idílico mundo de Jarmusch pela vistas de um poeta, e a dura vida de uma jovem beduína.
Por Luiz Joaquim | 23.10.2016 (domingo)
SAO PAULO (SP) – É hoje, numa sessão às 19h30, que a 40o Mostra Internacional de Cinema de São Paulo apresenta ao seu público Paterson, o mais novo filme de Jim Jarmusch que, a propósito, tem uma micro-retrospectiva exibindo também hoje dois de seus clássico Estranhos no paraíso (1984, que reestréia no Brasil dia 02/11) e Daunbailó (1986), além de Férias permanentes, seu primeiro longa-metragem (1980).
Paterson é um daqueles filmes que você nunca irá esquecer, pois ele vai rápido e direto para caixinha de carinho e beleza simples que todo espectador carrega consigo, e lá se instala.
Entre outros motivos para que isso seja um fato, Jarmusch muito rapidamente faz de você um amigo íntimo do protagonista Paterson (Adam Driver, conhecido como o Kylo Ren de Star Wars ou, como já vem sendo chamado, o “neto de Darth Vader”). Não apenas dele, mas dele e de tudo que o cerca.
Principalmente a sua namorada Laura (Golshifteh Farahani, de Êxodus: deuses e monstros; Éden; À procura de Eli e Dois amigos, dirigido pelo ex-marido Louis Garrel) e do cachorro dela Marvin (Nellie, a quem o filme é dedicade in memoriam). Nellie, a propósito, foi o único do filme que saiu premiado no Festival de Cannes, com o troféu Palm Dog.
São raros… ou melhor, raríssimos os filmes que conseguem agregar a sutileza da beleza de um poesia pela linguagem cinematográfica. Normalmente incorrem no erro da pressa da montagem, ou basicamente cobrindo o texto da poesia com imagens correspondentes.
O Paterson do filme é um motorista de ônibus e também poeta (bom poeta – os poemas são, na verdade, de autoria de Ron Padgett), que vive uma rotina modesta ao lado da namorada. Paterson acorda, faz um carinho em Laura, dirige seu ônibus na pacata cidade também chamada Paterson (em Nova Jersey), observa os muitos gêmeos que ali vivem, passeia com Marvin à noite (com quem tem uma relação cômico-conflituosa), toma sua cerveja enquanto conversa sobre amor com Doc (Barry Shabaka Henley) e traduz em palavras as coisas mais delicadas e, aspas, banais do mundo.
Jarmusch introduz sua estratégia de dizer ao espectador que todo o filme será a construção de um poesia, ou da perspectiva poética de Paterson, com a repetição e a repetição e a repetição das linhas escritas pelo protagonista em seu caderninho, antes de pegar no batente.
Aquilo que parecerá estranho, como reflexões sobre a embalagem de um caixa de fósforo de Ohio, vai ganhando corpo até desaguar numa tocante expressão de amor profundo.
Essa habilidade, de administrar a repetição – sem cansar o espectador – para fazermos chegar na contemplação de algo lindo, não é algo que principiantes consigam, ao menos não com facilidade.
Dessa forma, Paterson, o filme, vai traduzindo pelo cinema, não apenas a ideia de uma poesia, mas a ideia por trás de sua construção.
Em meio a tudo isso, Jarmusch controi uma gama de personagens tão fortes e e belamente dramáticos quanto o seu protagonista. A começar pela linda Laura, cheia de vida e feliz com seus bolinhos, seu sonho de tornar-se uma cantora country, e sua fixação pela estética pautada pelo preto e branco.
O universo da rotina e da simbiose do casal é invejável. Paterson encoraja Laura em suas invenções, e Laura cuida de Paterson, para que possa trazer a público seu talento como poeta. Numa conversa com Doc, no bar, este pergunta a Paterson porque ele nunca comprou um celular. “Não acho que preciso”, responde ele. “E sua mulher não reclama?”, questiona Doc. “Não. Ela na verdade me entende muito bem”, diz Paterson. E Doc. “Rapaz de sorte”.
E não é apenas na vida íntima do casal que temos essa ideia idílica de um mundo cordial e harmonioso. Jarmusch rodeia o motorista de figuras muito carregadas de humanidade. Como as histórias que ele escuta de seus passageiros enquanto dirige seu ônibus.
Na verdade, tudo se resume a perspectiva desse poeta despretensioso e potente, que vai nos carregando para dentro de seu mundo suave e delicado. Paterson, o filme, deveria ser obrigatório de ser visto, mesmo que para termos só uma ideia de como a beleza pode ser encontrada até na embalagem de uma caixa de fósforo.
ISRAEL – Fazendo também sucesso nesta edição da Mostra de SP está Tempestade de areia (Sufat chol), de Elite Zexer. Tendo saído premiado da seção World cinema dramatic no Festival Sundance, e tendo também exibido, com repercussão em Berlim e Locarno, o filme nos coloca diante de mais uma daquelas situações difíceis de compreender pela nossa cabeça moldada pela cultural ocidental.
No ponto de partida do enredo, a adolescente Layla (Lamis Ammar) ama um jovem de um outra tribo, diferente daquela na vila de beduínos onde vive, em Israel. Ao mesmo tempo, sua mãe Jalila (Ruba Blal) não está feliz em ter de ciceronear o casamento de seu marido com a esposa número 2 dele. Uma mulher bem mais jovem.
Enquanto o pai vive a sua nova lua de mel com a nova esposa, Layla é duramente reprimida pela mãe pelo namoro escondido e socialmente vergonhoso com o garoto de outra vila. Como solução para salvar a honra da família seu pai lhe promete como esposa a um homem de sua vila. Layla entretanto está decidida a dar à sua vida o rumo que ela acredita ser o melhor. Mas isso difamaria sua família, a qual ama.
Interessante como o roteiro e a excelente performance dos atores neste filme de Zexer abre espaço para as diversas perspectivas de todos os personagens. Percebesse que, dentro daquele contexto social, não há ninguém errado (ele obedecem um preceito sócio-cultural), mas ao mesmo tempo aquela cultura patriarcal já não faz muito sentido fora do âmbito público. Tal cultura já apresenta fragmento para o destino daquelas mulheres, por centenas de anos reprimidas.
Todos carregam o peso daquela convenções sociais mas, ao final, pelo olhar e postura da irmã mais nova – e ainda mais rebelde que Layla – entendemos que sim, uma mudança está em curso. E isso está bem definido pelas quatro gerações de mulheres apresentadas aqui: partindo de Layla, sua mãe, sua avó, e a irmã mais nova.
– Viagem a convite da Mostra.
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