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Festivais

12. CineOP (2017) – noite 1

Qualidade, beleza e respeito pela memória na abertura da mostra mineira.

Por Luiz Joaquim | 23.06.2017 (sexta-feira)

A beleza da produção por trás do CineOP: Mostra de Cinema de Ouro Preto, que iniciou sua 12ª edição na noite de ontem (22) é que ela não se escora no fato de ser um dos raríssimos eventos brasileiros que dedica-se com empenho à preservação do audiovisual. A beleza está mesmo é no cuidado, carinho e respeito com que trata o assunto.

Para dar conferência a essa assertiva bastava estar presenta na cerimônia inaugural desta edição, quando abriu com um recado dado pela indígena Avelin Buniacá Kambiwá – projetado na tela do Cine Vila Rica -, pelo qual convocava, emocionada, ao envolvimento de todos na causa dos índios. O assunto ilustra um dos temas defendidos pela Mostra neste 2017: Emergências ameríndias.

Na sequência, Raquel e Fernanda Hallak com Quintino Vargas, da Universo Produção (responsável pelo CineOP), abriram oficialmente a noite chamando a atenção para um documento fundamental – o Plano Nacional de Preservação – que está nascendo aqui a partir da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA), entidade que também surgiu no CineOP, em 2008. Raquel concluiu sua fala belamente incitando: “O cinema merece tombamento”.

Coletivo Negras Autoras em foto de Leo Lara/Universo Produção

Intercalado por apresentações musicais comovente do Coletivo Negras Autoras, o pesquisador e colecionador Antônio Leão foi o primeiro homenageado a subir ao palco para receber o troféu Vila Rica. Declaradamente comovido, Leão, destacou que não basta preservar os filmes, mas também as informações sobre os filmes. “Ainda que o filme não mais exista, a informação de que ele existiu precisa estar disponível. A partir dela [da informação], talvez o filme possa ser encontrado em algum lugar”.

Na sequência a produtora sediada em Olinda, Vídeo nas Aldeias recebeu das mãos do cineasta Ernesto de Carvalho o troféu pela sua produção cuidadosa e fundamentalmente política em prol dos povos indígenas, disponibilizando acesso a voz e imagens deles e para eles. Quem representou a produtora foi a realizadora Para Yxa Pi. “O Brasil possui o maior número de etnia indígena do mundo. E isto deveria ser motivo de orgulho”, vaticinou Yxa Pi.

Homenagem ao Vídeo nas Aldeias, em foto de Leo Lara/ Universo Produção.

Por fim, a montadora Cristina Amaral recebeu das mãos do curador Francis Vogner a celebração pelo sua trajetória. “Cristina montou filmes fundamentais para quem estuda e trabalha com cinema nos anos 2000, como Alma corsária [de Carlos Reinchenbah] e Serras da desordem [de Andrea Tonacci], entre outros, e seu discurso, como o da maioria dos montadores é discreto, mas Cristina é firme em vincular o cinema com a vida”. A homenageada , assim como Antônio Leão, lembrou que enquanto tocava seus trabalhos ao longo da vida, não tinha muita ideia de sua dimensão, e só tinha a agradecer à homenagem por destacá-la.

DESARQUIVANDO – O título que abriu o 12º CineOP foi Desarquivando Alice Gonzaga, documentário de Betse de Paula (de Vendo ou alugo). Anunciado pela própria Alice Gonzaga – protagonista do documentário – como “Dona Cinédia”, ou “Cinédia star”, sua trajetória de vida confunde-se com a da própria história da empresa que inaugurou o conceito dos estúdios no Brasil, no caso a Cinédia, em 1930, pelo empreendimento de Adhemar Gonzaga, pai de Alice.

“O filme tinha como título original Alice no espelho”, comentou a arquivista previamente para a imprensa, “mas gostei do novo nome”.

O documentário apresenta em 75 minutos o registro cronológico, pela fala de Dona Alice, a trajetória da Cinédia, sempre ilustrada pelo riquíssimo material iconográfico de seus arquivos. Por mais informações que existam já publicadas e conhecidas sobre a Cinédia, uma visita a seus arquivos, ainda que virtual como o filme apresenta, multiplica indiscutivelmente seu valor no que diz respeito a sua importância para a história do cinema brasileiro.

O filme confirma uma ideia que já era conhecida no meio cinematográfico sobre a relação de Dona Alice com a Cinédia, a de simbiose absoluta, como se uma fosse indissociável da outra. As mudanças de endereço dos arquivos é outro ponto destacado pelo filme de Betse, assim como a relação interrompida entre Alice e sua mãe, a mineira Didi Viana – que atuou no primeiro filme do estúdio, Lábios sem beijos {1929).

Este é sem dúvida o momento mais íntimo de Desarquivando…, que deixa uma alegria no espectador por apresenta tanta informação valiosa e tratada pelo amor de Dona Alice, registrado com a graça e desprendimento da arquivista nata – “Comecei a trabalhar com arquivos aos 6 anos, hoje tenho 82!”.

Betse, entretanto, parece não ter explorado com mais acuidade técnica (orçamento?) na apresentação de imagens tão valiosas mostradas por Dona Alice. Um outro porém está na falta de respiro que o filme não oferece. Dona Alice, conhecida pela verborragia, despejava todas as informações que tinha pela fala, sem espaço dado pela montagem do filme para o espectador processá-las com mais sabor.

Hoje (23) os homenageados do 12º CIneOP participarão de debate sobre o tema “Quem conta a história? Olhares e identidade no Cinema Brasileiro”.

 

*Viagem a convite do Festival.

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