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Festivais

12. CineOP (2017) – noite 2

Como seria a fusão de “Zabriskie Point” com “Corra!”? Ela existe, e foi feita em Porto Alegre em 1970.

Por Luiz Joaquim | 24.06.2017 (sábado)

OURO PRETO (MG) – Três filmes exibidos na noite de ontem (23) no Cine Vila Rica, expuseram um dos tons no qual o 12o CineOP: Mostra de Cinema de Ouro Preto está se debruçando neste 2017, ou seja, a representação e a representatividade de figuras sociais historicamente oprimidas. Neste caso específico de ontem, o negro.

Os filmes foram os curtas-metragens A voz e o vazio: a vez de Vassourinha (1998), da Carlos Adriano; e Aniceto do Império: Em dia de alforria…? (1981), de Zózimo Bulbul; e o longa-metragem gaúcho Um é pouco, dois é bom (1970), de Odilon Lopez.

O primeiro curta exibiu, em película 35mm, num bloco que também incluía o média Já visto, jamais visto (2013), de Andrea Tonacci. Bloco este dedicado a uma das homenageadas deste edição, a montadora Cristina Amaral.

No filme-ensaio de Carlos Adriano, o objeto é o músico paulista Vassourinha (foto acima) que, tendo vivido apenas 19 anos (1923-1942), conseguiu gravar seis discos de 78 rpm, alcançou o sucesso, mas foi logo esquecido.

O interessante em A voz e o vazio…, entretanto, está na forma elegante e intrigante como Adriano nos traz esses dados. Todo criado a partir de material sonoro e fotográfico de arquivo, o diretor constrói a trajetória de Vassourinha pelo sentido que é estimulado pelas letras de suas canções e de matérias em jornais.

Olhando hoje, o filme intriga por pelo menos três aspectos. Dois pelo conteúdo – sendo um a forma como o artista preconceituosamente identificado como “colored” era tratado pela mídia e, dois, a partir do tema de seu principal sucesso, Emília (1941), de autoria de Wilson Barros. Neste último caso, a canção é facilmente condenável pelo teor machista, que inclusive inspirou Mário Lago a compor Ai que saudades de Amélia, 1942.

O terceiro aspecto, estético, está na audácia (bem-vinda) da construção pelo qual essa trajetória é apresentada do início da carreira à morte do cantor. Adriano, com a montagem de Cristininha, estimula os olhos e os ouvidos, quando a precisão dos dados é menos importante do que a sensação de uma experiência de vida breve e certamente intensa e dura, como foi a de Vassourinha, ou melhor Mário Ramos.

O segundo curta-metragem, exibido em digital, no bloco da mostra histórica, nos mantinha no universo do samba, mas num ambiente carioca, quando o realizador, também negro, Zózimo apresentava a vida de Aniceto de Menezes (1912-1993), um dos fundadores da escola de samba Império Serrano.

Aqui, Zózimo (1937-2013) – artista fundamental na cultura negra dentro da história audiovisual brasileira – apresenta Aniceto num misto de simplicidade e elegância, lembrando pela fala do próprio cinebiografado de sua história como militante como profissional do porto na juventude, e como apaixonado pelo samba e pela Império Serrano. É uma espécie de nobreza – que não escolhe etnia ou classe social – que Zózimo procurou ao retratar Aniceto, e é essa nobreza que ele captou e fez chegar a nós. Bonito de se ver.

FICÇAO – Ao contrario do que se divulgou, Um é pouco, dois é bom (1970), de Odilon Lopez, não foi o primeiro longa dirigido por um negro, avisou o curador Francis Vogner antes da sessão. Mas isto não diminui em nada a importância histórica desta obra que, vista hoje (e foi aqui exibida em 35mm), nos espanta não apenas pelo empreendimento financeiro investido por Odilon numa Porto Alegre racista de 1970, mas também pela retrato urbano que ele coloca nas duas história ficcionais que compõem o longa-metragem.

Na primeira, Com um pouquinho de sorte, Odilon consegue concentrar numa história curta aquele que seria o pesadelo do chamado “milagre econômico” que a classe media brasileira vivia no início daquela década.

Da alegria quase infantil do motorista de ônibus, Jorge (Carlos Carvalho) recém-casado com a comerciária Maria (Araci Esteves, de Anahy de las Misiones), ambos felizes com o apartamento novo comprado a prestação, vamos à infelicidade e ao desespero que tomam conta dessa história, com diálogos de Luis Fernando Veríssimo.

Com ela demitida, por conta da gravidez, e com ele demitido por uma acidente, a defesa de manter-se na casa contra uma ordem de despejo se torna uma questão de honra, fazendo de Com um pouco de sorte quase um obra de horror psicológico.

A segunda parte, mostrando a história Vida nova por acaso, vai por um caminho mais radical, e comicamente mais debochado, com o próprio Odilon interpretando um ladrão de bolsa que cai nas graças de um loira rica que o introduz em sua turma de burgueses. Passeando por uma construção que nos faz lembrar fortemente o Antonioni de Zabriskie Point (também de 1970), a situação em que o protagonista se mete acaba por tornar-se uma grande cilada, fazendo um link imediato com o contemporâneo e polêmico sucesso norte-americano independe Corra!, de Jordan Peele.

É incrível termos acesso a um filme como este hoje, e é preciso agradecer muito ao CineOP por isso. Um agradecimento especial feito por Vogner antes da sessão foi para o critico gaúcho Marcus Mello, que localizou a cópia do filme no Rio Grande do Sul, que era mantida pela filha de Odilon. Sob condições inapropriadas, em latas enferrujadas, o filme corria o risco de perder-se. Agora deve ganhar uma nova atenção de instituições de preservação audiovisual após sua exibição por aqui. Um ‘Viva’ por isso.

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