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Festivais

47. Gramado (2019) – noite 2

Mais pernambucanos no palco de Gramado: Leo Tabosa, Dora Amorim e Thais Vidal

Por Luiz Joaquim | 18.08.2019 (domingo)

– acima, still do curta Marie, de Leo Tabosa, com fotografia de Petrus Cariry

GRAMADO (RS) – Houve mais Pernambuco ontem (17) aqui, na segunda noite do 47o Festival de Cinema de Gramado. Em dose dupla. O primeiro curta-metragem a ser exibido – A mulher que sou – veio de Paraná, foi dirigido por uma mato-grossense (Nathalia Tereza) e contou com a coprodução pernambucana de Dora Amorim e Thais Vidal, da Ponte Produções.

A sinopse oficial conta que uma mulher, Marta (Cássia Damasceno) “quer se dar uma chance de viver uma nova vida, em uma nova cidade”. Essa informação básica é tão econômica quanto é o filme de Nathalia. Mas a economia aqui não deve ser entendida como algo simplório. Simples, talvez. Melhor dizer: elegante em sua simplicidade.

Nathália, que é fotografa, impôs a si fotografar seu curta no formato plano, do cinema silencioso (1:1,33), quase quadrado, com a intenção mesmo de comunicar uma ideia de retrato sobre sua protagonista.

Não há nada de simples, entretanto, em Nathalia definir que esta protagonista seria uma mulher negra, na casa dos 40 anos, criando sozinha uma filha adolescente (Talita de Paula), e que decide reiniciar uma vida amorosa. No caso com o corretor de imóveis (Renato Novaes) que lhe apresenta um apartamento para comprar.

O resultado é um delicado desenho sobre uma mulher e um homem que se encontram e se descobrem, inclusive sexualmente. E essa representação, a sexual, é mais um exercício fotográfico (embalado por jazz), cujo interesse de Nathalia recai sobre os closes, nos pedaços dos personagens, para daí formar um todo do novo casal.

Equipe dos curtas “Marie” e A “Mulher Que Sou” no hotel Serra Azul – Foto: Cleiton Thiele / Agência Pressphoto

O outro curta da noite, pernambucano, Marie, de Leo Tabosa, acrescenta um outro degrau na interessante carreira que o diretor vem construindo há dez anos. O mote aqui é a reconciliação com o passado, uma vez que Mário (Wallie Rui) volta ao interior do Ceará duas décadas depois como uma mulher trans, Marie, para enterrar o pai.

Lá conta com a ajuda do amigo de infância Estevão (Rômulo Braga) para realizar o último desejo do falecido: ser enterrado no Crato, ao lado do corpo da esposa.

É no trajeto ao Crato em que a dupla de amigos irá resolver as arestas do passado. Duas sequências específica aqui comprovam a maturidade de Leo como um diretor seguro e metódico nas marcações.

Primeiro, com seus atores afinados, temos a conversa no quarto de um hotel, entre Estevão e Marie, que vai de um diálogo trivial a uma explosão de desentendimento e rancor com uma naturalidade comovente. E depois, num carro, numa conversa de conciliação, quando Leo permite uma dubiedade entre a tensão sexual e a pureza de uma amizade amorosa. Dubiedade que é próprio de grandes diretores, e que se resolve apenas com bons atores.

Bons resultados assim na dramaturgia dos filmes de Leo nos fazem perguntar sobre um projeto para longa-metragem na mira do diretor. E ele existe. Em entrevista coletiva hoje (18), o realizador respondeu ao CinemaEscrito.com que o enredo deste seu projeto para um longa dá conta de duas mulheres – mãe e filha – presas numa cobertura de um prédio decadente na avenida Boa Viagem, bairro do Recife, durante um apagão elétrico. E, a certa altura, percebe-se que uma terceira pessoa está no mesmo andar. É o filho da matriarca, que retorna à casa como uma mulher.

LONGAS-METRAGENS – Gramado 2019 nos deu o privilégio de conhecer uma ousada produção que veio do Equador, país cuja produção anual varia entre 15 e 20 longas por ano. Com o título A son of a man: la maldición del tesoro de Altahualpai a obra é fruto de expurgação de seu diretor no que diz respeito a relação que mantinha com seu pai – falecido poucos dias antes de começar a rodar o filme.

O diretor jamaicanoproblem – Foto: Cleiton Thiele / Agência Pressphoto

O que há de, digamos, incomum nesse filme equatoriano, há também na figura de seu diretor, que se rebatizou artisticamente com o nome de Jamaicanoproblem (assim mesmo, com as palavras juntas).

Seu nome real – Luis Felipe Fernandez-Salvador y Campodonico – é o que o seu personagem usa no enredo, e vocifera no início do filme. Ele vive o filho de um conquistador, “como um Indiana Jones” equatoriano, em busca de um quarto símbolo nas selvas locais para encontrar um lendário tesouro inca, pertencente à história daquele país.

A perspectiva que temos é a de Pipe (Luis Felipe Fernandéz-Salvador e Bolona), filho do conquistador que é trazido dos EUA para ajudar o pai nessa busca e, nessa trajetória, aprender os valores de um homem. Há ainda a presença de uma espécie de musa para os homens, ali vivida pela atriz Lily van Ghemen, também produtora do filme.

Em entrevista hoje, Jamaicanoproblem explicou que o filme integra um conceito por ele criado chamado “realismo fantástico”, mas não como o conhecemos, e sim, nas palavras do cineasta: “quando o mundo real pode ser ressignificado para oferecer à plateia uma experiência imersiva”.

A son of a man, em seu crédito de abertura, se apresentar como uma história real, com personagens reais. Mas o grau de, digamos, lirismo nos elementos que conduzem essa história contrastam imediatamente com o que se informa de fidelidade ao real que os letreiros iniciais contam.

Atriz lily van Ghemen – Foto: Cleiton Thiele / Agência Pressphoto

Há uma frase-chave dita por três momentos diferentes pela musa Lily ao jovem Pipe em sua trajetória à maturidade: “Só como fenômeno estético, a existência e o mundo pode ser justificado”. Ela, na verdade, cita Nietzsche e, nas palavras do diretor, “o mundo não é nada mais que um fenômeno estético, e é preciso não tocar a vida apenas pelo que há de sério se quisermos atingir sonhos”.

A cena de abertura de A son of a man é impressionante, não há outra palavra, e foi feita com ajuda de um drone (que Jamaicanoproblem explica ser mais uma espécie de “steadicam voadora”). Mas há, no decorrer da obra, um excesso de tomadas aéreas que só não incomodam mais pelo esplendor das locações que as imagens revelam. É uma selva plasticamente deslumbrante, em total confluência poética com o que Jamaicanoproblem pensou para a sua fábula.

Que figura, esse senhor.

Ontem também foi exibido o longa-metragem gaúcho Raia 4, de Emiliano Cunha. Para ler sobre o filme, clique aqui.

*Viagem a convite do Festival

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