Disco: “Tantas Coisas” (1999) – resenha
Em 1999, avaliamos uma promessa da moderna música baiana. Era o primeiro álbum de Rebeca Matta.
Por Luiz Joaquim | 30.04.2020 (quinta-feira)
– texto originalmente publicano no Jornal do Commercio (Recife), em 14 de fevereiro de 1999 (domingo de Carnaval).
Ousadia e revelação tem sido algumas das palavras para descrever o resultado encontrado no disco Tantas coisas de Rebeca Matta. Prepare-se para ouvir falar dessa baiana, de 32 anos formada em administração de empresas, que, há quatro anos começou a desenvolver seu lado artístico. A trilha que vinha desenhando nesse período acaba por desembocar nesse desconcertante álbum, produzido em conjunto com o arranjador andré t.
Um turbilhão de sons sintetizados formam as treze faixas do CD que, por alcançar tantas coisas, acaba tornando-se difícil de encaixá-lo numa classificação rítmica. Uma mensagem, ao menos, permeando todas as canções de Rebeca, é de fácil assimilação: a melancolia. Tal constatação tem referenciado as melodias de Tantas coisas com uma das várias tendências da música eletrônica de hoje: o Trip Hop.
Mas não pense que você vai encontrar em Rebeca uma cópia nacional da voz etéria de Elizabeth Fraser (ex-Cocteau Twins, que participou do último Massive Attack, Mezzanine), ou da enigmática Beth Gibbons do Portishead, e muito menos um carbono do lamento comumente entoado por Skye Edwards, do Morcheeba. O que você vai ver (ou escutar) é uma brasileira destilando aquele MPB que a gente conhece, numa autêntica interpretação atualizada para uma nova perspectiva de sonoridade.
A poética presente nas letras da compositora (ao todo são cinco sozinhas e duas compartilhadas), combinada com as batidas trabalhadamente sujas criadas pelo parceiro andré t., dão uma rasteira na mesmice que alguns veteranos andam nos empurrando pela mídia. É fácil de verificar a cumplicidade com que Rebeca faz soar sua O fogo dos teus olhos – um primor – ou então na canção título do disco, e ainda na faixa A gente se perdeu. Nesta última se percebe uma organizada confusão de sons de percussão primitivo, seguida por uma guitarra distorcida. Impossível não ficar contagiado.
A tranquilidade demonstrada na interpretação de suas canções não está presente, em sua totalidade, nas seis releituras produzidas por Rebeca e andré. Embora surpreenda conseguindo dar luz própria para O Mar, do grupo lusitano Madredeus (coisa quase impossível de imaginar para quem já a escutou na voz de Teresa Salgueiro), e transformar o samba Barracão, de Luiz Antônio e Odemar Magalhães, num delicioso e calmo passeio pelo MPB, Rebeca ainda aparenta desconforto em outras tentativas. É assim em Como uma onda, de Lulu Santos e Nelson Motta; O amor é velho – Menina de Tom Zé; O meu amor de Chico Buarque e Nada será como antes de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos.
Além dos sons minimalistas, computadorizados e industrial, Tantas Coisas também abre espaço para uma suave composição executada por violinos, viola e cello. Nesta canção, Nua como a lua, a cantora anuncia seu desejo de estar “nua como a gaivota, que mergulha sem medo”. Será um prenúncio de uma artista determinada a dissolver o viciado cenário nacional de música pop?
Em O fogo dos teus olhos, ela brada: “Canto para os que não estão cansados, mas também para quem já desistiu. Canto pros incertos, perseguidos, ambulantes. Para aqueles que não podem repousar”. Mesmo não havendo trégua nessa vida, é acalentador saber que a musica de Rebeca Matta pode ajudar um pouco.
Como o disco foi lançado pela Bahiatursa, divulgadora oficial de turismo e cultura daquele Estado, o disco ainda não pode ser encontrado nas lojas. Para mais informações é preciso se comunicar pelo fone (011) 887.7430, ou pelo e-mail tantascoisas@usa.com
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