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Festivais

9º Olhar (2020) – Agora

Dando corpo à dor.

Por Luiz Joaquim | 09.10.2020 (sexta-feira)

A diretora pernambucana Dea Ferraz vai, em movimentos delicados, mas também firmes e seguros, fincando cada vez mais o seu espaço na cinematografia brasileira. Com Agora, seu mais recente trabalho, acessível na plataforma online do 9º Olhar de Cinema: Festival Internacional de Curitiba, a cineasta reforça aquilo que parece ser uma vocação para a investigação audiovisual. Vocação para se entregar, seja por curiosidade artística, seja para expressar um incômodo-desabafo, a produções que não lhe garantem nenhuma segurança do ponto de vista de um resultado confortável. Mas, até o momento, do que se viu nos seus três longas-metragens anteriores (Câmara de espelhos, 2016; Modo de produção, 2017; Mateus, 2019) e em Agora, há resultado. Há bom resultado.

Importante: Agora está disponível para ser visto hoje (9) – até às 5h59 de amanhã (10) – e na terça-feira (13), das 6h até às 5h59 da quarta-feira (14). Clique aqui.

Dea Ferraz, em foto divulgação de Cecília da Fonte

Agora não está em competição no festival paranaense. Está no programa Novos olhares, o que é coerente, uma vez que este se apresenta interessado em obras que se arriscam. Aos leitores que gostam de referências paralelas com trabalhos anteriores dos cineastas, pode-se dizer: Agora está mais próximo de Câmara de espelhos, uma vez que, no novo experimento, Dea mais uma vez coloca dentro de uma caixa (mais especificamente, o tablado de um teatro) pessoas livres para se expressarem como bem entenderem.

Mas, diferente dos machistas de seu primeiro longa, provocados por diversos estímulos, aqui a diversidade de gênero sexual e étnica dividem o espaço, sendo o estímulo apenas um. Com um pedido feito pela própria diretora, escutamos sua voz em off solicitando aos artistas, diante da câmera, que expressem com o corpo sua relação com o atual momento em que vivem.

Nesse sentido, nada mais valioso que a informação dada na segunda cartela do filme. Ela diz: “brasil, dezembro de 2018”. Escrito com ‘b’ minúsculo mesmo, quase como um sussurro de tristeza ou de protesto (ou de ambos) pelo que significava estar no Brasil naquele mês daquele ano. O momento era o de uma antevisão da catástrofe que a todos aguardava no mês seguinte, com agenda para acompanhar o brasileiro nos próximos quatro anos de mandato do então presidente eleito Jair Bolsonaro.

A intensidade do sofrimento, ali, de mais da metade da população do País, é o que Dea parecia querer encontrar com o seu Agora. Milhares, ou dezenas de milhares de artigos, de reportagens, notas, avaliações e expressões intelectuais de toda natureza foram trazidas a público (não apenas no Brasil), antecipando o que estava por vir (e assistir ao filme, em 2020, ganha todo um novo valor), mas… e como expressar fisicamente a dor daquele momento específico, histórico? A dor daquele agora.

Still de “Agora”, crédito de Chico Ludermir

Reunindo treze artistas (13!), e alternando na montagem trechos da performance individual de cada um deles, sob um facho de luz e cercado por escuridão, Dea deu forma, deu corpo, aos sentimentos daquele momento. Como estratégia dramática, ela se permitiu apenas uma intervenção: falar a palavra ‘agora’ como comando para que o artista congelasse de forma que a câmera de Marcelo Lacerda pudesse se aproximar para investigar e registrar a expressão do agora. E, via de regra, a expressão não é leve, mas sim tensa, contorcida, contraída, violenta.

Com tantas expressões artísticas em cena – poesia, canção, pintura, música, coreografia e outras – revelando-se pela dor, Agora fica como um (histórico) documento instigante a respeito do significou estar em dezembro de 2018 no Brasil com a compreensão do que nos aguardava.

A informação da segunda cartela de Agora, como dissemos acima, é valiosa para uma contextualização. Já a cartela anterior é carinhosa e bastante reveladora sobre a equipe do filme. Ela diz: “este filme é resultado da parceria e amizade de pessoas que acreditam no cinema brasileiro”.

Entre eles, estão os artistas que dão seu corpo a Agora: Adelaide Santos, Cris Nascimento, Dante Olivier, Flávia Pinheiro, Joy Thamires, Kildery Iara, Livia Falcão, Lucas dos Prazeres, Orun Santana, Raimundo Branco, Rosa Amorim, Silvia Góes, Sophia William.

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