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Festivais

17ª CineOP (2022) – noites 1 e 2

“Silêncio, filho”. diz a mãe-terra na noite de abertura da mostra na histórica cidade mineira

Por Luiz Joaquim | 25.06.2022 (sábado)

– acima, foto de Leo Lara sobre a noite de abertura.

OURO PRETO (MG) – “Silêncio, filho˜. Era uma das expressões estampadas na gigantesca tela montada na Praça Tiradentes durante a abertura oficial da 17ª CineOP: Mostra de Cinema de Ouro Preto, na noite de quinta-feira (23).

A palavra de ordem era sugerida pela mãe-terra, se referindo aos anos pandêmicos pelos quais a humanidade precisou se recolher. Um momento, portanto, propício para que refletíssemos sobre a nossa relação com a natureza e o cuidado que devemos a ela (e a nós mesmos). Silêncio para ouvirmos o que realmente importa.

Nada mais sintonizado com o foco que aponta para a temática histórica deste ano no CineOP: Cinemas indígenas: Memória em construção, com curadia de Cléber Eduardo, que faz um mapeamento e difusão da produção indígena no Brasil, cuja existência já passa de duas décadas.

A noite abriu com apresentações dos povos indígenas Kambiwá, Aranã Pataxó, Xukuri Kariri, Quechua e Aymara para, na sequência, dar espaço à projeção dos filmes de abertura, o média-metragem Bicicleta de Nhanderú, de Ariel Ortega (Kuaray Poty) e Patrícia  Ferreira (Pará Yxapy), e o curta-metragem Nossos espíritos seguem chegando Nhee Kuery Jogueru Teri, de Ortega com Bruno Huyer.

No primeiro filme, de 2011 – “que já é considerado um clássico”, como disse Vincent Carelli, presente na abertura –, o ambiente é a aldeia Koenju, em São Miguel das Missões, Rio Grande do Sul. Lá, Ortega e Patrícia registram expressões de espiritualidade que passam por qualquer ação do cotidiano, indo desde um raio jogado por Tupan num temporal, atingindo uma árvore – “mas não quis fazer mal ao espírito da árvore”, dizem -, até o colher de frutas pelas crianças mas que, antes de comê-las, precisam ser benzidas.

O título do filme é pescado de uma fala inicial do Karaí da aldeia, dizendo que ninguém consegue traduzir totalmente o que as entidades querem nos falar. “Somos, na verdade, bicicletas para os Nhanderú”, ou seja, um instrumento para os seus desígnios.

O documentário segue, portanto, livre no registro desse cotidiano da aldeia, sendo corajoso, inclusive, em incluir detalhes internamente polêmicos. “Ariel tinha consciência de que precisava expor as mazelas de seu povo – como o jogo de cartas, a bebedeira e uma ‘festa de branco’ – para gerar discussão sobre elas”, observou Carelli no debate inaugural, na manhã de ontem (25).

Na foto de Nereu Jr., da esq. para a dir., o curador Cléber Eduardo, o cineasta Divino , a mediadora Daniela Siqueira, e o realizador Divino Tserewahú, o realizador Vincent Carelli no seminário de ontem pela manhã.

Já no curta Nossos espíritos seguem chegando…, Ortega faz um belo registro da gestação da companheira Patrícia para salientar que a partida dos mais velhos no contexto da pandemia é dolorosa, mas é também preciso atentar e cuidar da chegada das novas gerações.

Na noite de ontem (24), foi a vez da exibição do média Abdezé wede’ô – O vírus tem cura? (2021), de Divino Tserewahú, pelo qual o cineasta vira a sua lente para a sua aldeia, Sangradouro, no leste do Mato Grosso. O tempo é o da atual pandemia, realçando o impacto da Covid-19 nos Xavantes, levando muitos anciãos para um outro plano. Mas Divino não pára aí. Alterna o trágico momento atual com outros do passado. São tragédias que, na verdade, seu povo nunca esteve livre.

Como exemplo, vemos, em imagens de arquivo, as primeiras aproximações do branco ao seu povo, nos anos 1940, quando, de avião sobre suas terras, os brancos jogavam roupas infectadas por sarampo para que um extermínio silencioso tomasse início. Assustador.

No mesmo debate na manhã de ontem, Divino falou de seu sonho: ter um canal indígena na televisão brasileira. “A Bolívia tem seu próprio canal pelo qual divulgam a produção audiovisual indígena. Temos de mudar os olhares não-indígenas a respeito do olhar indígena”.

De fato, material não falta para alimentar um canal assim. No catálogo do CineOP, um levantamento aponta mais de uma centena de filmes realizados por indígenas. Um mapeamento, como salientou Cléber Eduardo, incompleto uma vez que estamos falando de uma produção vida e crescente.

No seu trabalho curatorial para a mostra, lembrou que vários recortes poderiam ser feitos, de obras focadas apenas nas crianças, ou nos anciãos, na espiritualidade, na disputa de terra, e por aí vai. Que bom.

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