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Festivais

50º Gramado (2022) – Entrevista: Marcos Palmeira

“Quanto mais se tenta podar o cinema, mais ele floresce”.

Por Luiz Joaquim | 29.08.2022 (segunda-feira)

– na foto acima, de Edison Vara/Agência Pressphoto, Marcos Palmeira em entrevista coletiva em 13 de agosto no Festival de Gramado.

Em 1988, enquanto era anunciado o prêmio de melhor ator coadjuvante no palco do Palácio dos Festivais, em Gramado, o ator Marcos Palmeira, então completando 25 anos naquele agosto, estava no fundo do auditório, de costas para o palco. Quando escutou sem nome, sem acreditar muito bem no que ouvia, entendeu que levaria um Kikito para o Rio de Janeiro naquela 16ª edição do evento pela sua performance em Dedé Mamata, de Rodolfo Brandão. Naquele mesmo ano, o ator também era visto no mesmo festival pelo curta-metragem da irmã, Betse De Paula, Por dúvida das vias, que recebeu o prêmio do público da categoria.

Começava bem, Palmeira, em Gramado. E daquele momento, o ator também lembra de um conselho valioso que escutou da grande dama do teatro, cinema e televisão Tônia Carrero (1922-2018) em meio a festiva noite de celebração: “O sucesso é uma coisa. A carreira é uma outra coisa”. A frase serviu como um norte para o então Marquinhos, como era conhecido no meio, pensar no seu futuro profissional, que também brilhou no mesmo 1988 no Romance da empregada, de Bruno Barreto.

Pulamos 35 anos e estamos na celebração da 50º edição ininterrupta do Festival de Gramado tendo Palmeiras como o grande homenageado deste 2022.

Na tarde que antecedeu sua nova subida ao palco do Palácios dos Festivais, desta vez para receber a maior honraria do evento – o Troféu Oscarito, pelo conjunto da obra –, o ator recebeu a imprensa no hotel em que estava hospedado na Serra Gaúcha para conversa sobre sua trajetória até ali.

Fãs de Marcos Palmeira não deixaram o “Zé Leôncio” sossegado em Gramado | Foto: Edison Vara/Agência Pressphoto

Procurado não apenas pelo seu histórico cinematográfico, Palmeiras era também disputados pelos/as fãs em função da grande exposição no sucesso televiso Pantanal, na qual hoje interpreta o fazendeiro Zé Leôncio. No passado, em 1990, o mesmo personagem foi defendido por Cláudio Marzo (1940-2015) na TV Manchete, ocasião em que Palmeiras interpretou Tadeu, filho ilegítimo de Zé Leôncio (hoje Tadeu é defendido pelo ator José Loreto na TV Globo).

O CinemaEscrito acompanhou a entrevista mediada por um dos curadores de Gramado, o crítico Marcos Santuário, que foi logo adiantando a respeito do filme de Eva Pereira, Barulho da noite, com o homenageado no elenco. Conforme Santuário, a produção por pouca não entra na edição 2022 de Gramado como exibição especial, mas impedida por um infeliz conflito de agenda.

Palmeira em cena de “Barulho da Noite”

“É o primeiro longa da Eva, foi filmado em Palmas e eu faço um homem do campo. É um trabalho muito delicado que fala sobre pedofilia”, adiantou Palmeiras no sábado 13 de agosto último, mesma data em que, sete anos antes (2015), lembrou o mediador, Zelito Viana, pai de Palmeira, era homenageado ali em Gramado com o Troféu Eduardo Abelin (dedicado a diretores). “Sim, é verdade. E meu pai, aos 84 anos, está bem ativo. A Mapa Filmes [produtora do Zelito, criada ainda nos anos 1960] está se modernizando e infelizmente ele não pôde vir hoje porque está lançando um livro, O cinema e eu, no qual conta muitos causos do setor”.

Palmeira em sua fala no Palácio dos Festivais quando foi homenageado com o troféu Oscarito | Foto: Cleiton Thiele/Agência Pressphoto

Terminado o papo inicial e aberta as perguntas para imprensa, o CinemaEscrito lançou a primeira delas, querendo saber do ator se ele recordava o exato momento em que entendeu que deveria seguir com uma carreira profissional de ator e a investir nisso. A pergunta estimulou uma resposta efusiva do homenageado que, aparentemente, o inspirou em sua fala à noite, quando repetiu o que nos contou à tarde.

Palmeira lembrou que sua primeira aparição no cinema foi ainda criança, aos 8 anos, em Copacabana me aterra, produzido pela Mapa Filmes sob direção de Paulo Alberto Monteiro de Barros, mas depois enveredou para outra profissão, tendo ido trabalhar inclusive no Ibama. Chegou a sindicalizar-se como indigenista em 1978. E viajou para a Amazônia quando trabalhou inclusive no grupo do renomado indigenista Sydney Possuelo, que aparece no documentário de Andrea Tonacci Os Araras (1983), indígenas de Altamira.

“Meu desejo era encontra um povo que nunca tivesse tido contato com o homem branco. Na minha experiência com os indígenas eu me toquei que praticamente fazia uma espécie de stand up para eles quando tentava compartilha experiências da minha cultura. Imitava como a gente se comportava no Rio de Janeiro, no trânsito, nas ruas e eles riam muito. Foi quando me dei conta que era aquilo que eu queria fazer. Daí voltei pro Rio e comecei a estudar bastante”, relembrou.

“Foi quando surgiu uma oportunidade em Memórias do cárcere que me serviu como uma grande escola. Lembro da rigidez do [Carlos] Vereza que parecia esquisita na época, mas depois entendi que fazia sentido. No set do presídio, todos os personagens presos usavam tamancos, e havia uma 200 tamancos por lá. O do Vereza sumiu e deram um outro para ele usar, mas ele não aceitou, disse que só filmaria com o tamanco dele. Fazia sentido, ele vinha trabalhando toda uma forma de caminhar que também dependia daquele tamanco”.

PANTANAL – Sendo a telenovela Pantanal um assunto incontornável, e sendo curto o tempo da entrevista coletiva, Marcos Santuário tratou logo de perguntar sobre a experiência do ator de estar nas duas versões da novela.

A primeira lembrança de Palmeira foi de quando se deu conta que, em 1990, eles estavam famosos, até porque eles ficavam isolados no Pantanal por muito tempo e algumas vezes voltavam ao Rio de Janeira. “Numa dessas voltas, desembarcamos no aeroporto e tinha uma multidão por lá esperando a chegada do grupo Menudo, quando as pessoas viram o Marcos Winter e a Cristiana Oliveira, saíram todos gritando ‘olha lá o Jovê e Juma, vâmo lá!’. Foi aí que a ficha caiu”.

Marcos Santuário (e) e Marcos Palmeira em coletiva em Gramado| Foto: Edison Vara/Agência Pressphoto

E continuou, sobre a nova versão da TV Globo: “Eu acho que a [novela] de hoje traz novas camadas e tem feito famílias se reunirem na frente da tevê. Está trazendo questões do homem deste século, falando de homofobia, armamento entre outros temas importantes. A Bruaca no passado era vaiada, hoje ela é revolucionária. Todos os personagens são inseguros, carentes, errados, como todos nós somos na vida. Todos vão lutando para errar menos”.

Palmeira segredou também que quando soube que o Bruno Luperi estava reescrevendo o roteiro e que a novela seria refeita, ficou “louco”. Liguei e disse: “Eu faço qualquer coisa para estar na novela. Faço até o cocô do cavalo do Zé Leôncio. Foi quando dias depois me ligaram e pediram para eu fazer uma leitura de um poema de Manoel de Barros. Não desconfiei que seria alguma coisa muita séria, mas quando eu finalmente descobri que faria o Zé Leôncio eu me senti como um menino de 12 anos”.

Ele lembrou que no início, quando pegava o roteiro, pensava no Tadeu. “Aquilo me bateu forte, e me dei conta que o tempo passou. Acho que o meu Zé Leôncio tem algo mais leve. O Cláudio Marzo tinha, na época [da novela] 53 anos. Eu tenho 59, mas meu vigor é maior que o do personagem e às vezes me dou conta que preciso diminuir a intensidade”, revelou.

O ator contou também que está no set para ajudar e, se não puder ajudar, não atrapalha. “Sou um peão do set. Decoro milhões de falas e gravo de segundo à sábado”. Lembrou ainda, lamentando, que o Pantanal que viu no passado não é mais o que vê hoje. “Aquilo está fadado a acabar. São animais estressados, jacaré comendo jacaré, isso é desespero”.

E concluiu a conversa celebrando os 50 anos do Festival de Gramado e chamando a atenção para o momento crítico em que vivemos. “Nós [da cultura] somos descriminalizados e isso é surreal. Não querem que criemos pensamentos e reflexões. Está na hora de a gente reforçar que o cinema é uma ferramenta poderosa. E quanto mais tentam podá-lo, mas ele floresce”.

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