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Críticas

Amantes

O amor e a passagem do tempo.

Por Yuri Lins | 15.09.2022 (quinta-feira)

Amantes (Amants, Fra., 2020), é o nono filme da realizadora francesa Nicole Garcia. Antes de assumir a direção de seus próprios projetos, Garcia desempenhou uma longa e profícua carreira na atuação, chegando a trabalhar com realizadores do quilate de Jacques Rivette, Alain Resnais e Bertrand Blier. Pode-se dizer, inclusive, que a atenção cuidadosa para as atuações que ela desenha em seu novo filme advenha dessa sua experiência como atriz. Em Amantes consegue-se extrair o melhor de seus atores, criando momentos que permanecem na memória, mesmo que toda a construção do filme seja bastante deficiente. 

Na trama, Lisa (Stacy Martin) trabalha em um hotel e Simon (Pierre Niney) trafica drogas. Ela põe toda fé na vida que terá ao lado de Simon; ele assiste ao desmoronamento de tudo o que construiu. Quando um de seus clientes morre de overdose, Simon é obrigado a fugir, abandonando Lisa. Passam-se alguns anos e Lisa está casada com Léo (Benoît Magimel), um empresário rico. Em uma viagem, Lisa encontra Simon e o sentimento de amor reacende, algo que desencadeará uma trama onde Léo tentará manter o controle sobre Lisa utilizando todo seu poder econômico. 

O filme possui duas premissas formais: a primeira, estabelece uma narrativa elíptica em que a passagem do tempo é pontuada por intertítulos que indicam onde cada ato acontece. Primeiro, Paris: vê-se o relacionamento entre os protagonistas até a sua cisão; Segundo: as Ilhas do Pacífico onde Lisa, agora estando casada, reencontra Simon; E em terceiro: Genebra, onde os dois tentam manter um relacionamento às escondidas, ao passo que Léo descobre a traição e age para separá-los.  Cada avanço no tempo busca pôr à prova a capacidade do amor em suportar os obstáculos que são postos. Passa-se o tempo, o casal permanece, batalha e caminha para um final com tintas de tragédia. 

Com o desenrolar do enredo, o casal batalha e caminha para um final com tintas de tragédia

A segunda premissa é justamente a sua montagem ágil, em que os planos se sucedem sem maior espaço para contemplação. A rapidez com que as cenas avançam atrofia qualquer possibilidade de uma encenação mais arrojada; é como se elas, por não terem tempo suficiente para durar, evitassem que a realidade sentimental das personagens pudesse ser evidenciada com maior nuance.  Vê-se mais os cortes se sucedendo do que qualquer rigor que os planos pudessem carregar. Estranhamente, esse mesmo problema pode ser atribuído aos filmes de ação feitos a toque de caixa em Hollywood. 

A fragilidade do filme nasce da articulação destas duas premissas: o seu desejo por uma história que se desenvolve no curso do tempo entra em contradição com seu esquema de montagem cumulativa. O resultado é que nunca há um sentimento concreto dessa passagem do tempo à qual as personagens estão submetidas. Aqui, o tempo da separação é apenas um dado, uma informação ditada, porém não construída de modo a ser experienciada pelos espectadores.

A passagem do primeiro para o segundo ato é o que melhor demonstra os efeitos desta contradição. Após ser abandonada, Lisa submerge em tristeza e passa a viver sob a sombra da ausência de Simon. O ponto de corte para o ato seguinte se dá justamente no momento em que ela conhece Léo. Já casada e em viagem ao Pacífico, a elipse subtrai toda a reconstrução de sua vida e já a coloca diretamente na situação de reencontro com Simon – ele agora é um funcionário do resort onde ela e seu marido estão hospedados. A proximidade entre os atos, o esquematismo do reencontro e a montagem não administra aquilo que é necessário para fazer sentir o tempo que passou. 

Sabe-se que, dentro da gramática cinematográfica, uma elipse não serve somente para operar um salto temporal na narrativa, ela também possibilita a existência de uma zona obscura entre as imagens, um lugar onde determinados sentimentos podem ser gestados sem que haja testemunhas. Os efeitos deste processo são evidenciados na imagem posterior, naquela que é o extrato de todas as ebulições ocorridas nas camadas subterrâneas das personagens. A elipse, portanto, seria onde opera o magnetismo que coloca os amantes em rota de atração, fadados a permanecerem juntos. Contudo, tudo isto inexiste em Amantes.

Ao final, o que permanece de melhor são os momentos de intimidade entre Lisa e Simon. Mesmo fugazes e engolidos pela montagem, ao menos conseguem expor aquilo que pulsa entre eles: às vezes um beijo, uma força que os impele para a transa, ou mesmo apenas um olhar, um silêncio compartilhado. São nessas centelhas, quase asfixiadas pela rapidez da montagem, que o entrosamento dos atores fica evidente.  Tem-se a sensação de que se Amantes abandonasse tudo aquilo que lhe é excessivo, esquemático e frágil e simplesmente dedicasse tempo para habitar a intimidade das personagens, fazer o espectador sentir com a pele deles, haveria qualquer coisa de mais substancial e memorável.

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