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Críticas

Segundo Tempo

Segundo tempo em tempo disperso…

Por Humberto Silva | 13.03.2023 (segunda-feira)

Uma observação sem dados comprobatórios, pouco científica, pois: o cinema brasileiro pós-pandemia está inundado de filmes que passam como relâmpago. Vivemos em grande dispersão com obras que desaparecem na semana seguinte, assim como muitos realizadores de primeira viagem.

Rubens Rewald não é novato – não corre o risco de amanhã ser esquecido –, mas, quanto à direção, é bissexto: Corpo (2007), Super nada (2012), Segundo tempo (2019). De fato, está longe de ser prolífico. Segundo tempo, quatro anos depois, chega ao circuito.

Na verdade, o trânsito maior de Rewald é na dramaturgia, na elaboração de roteiros, na docência. Dirigir filmes não é sua atividade principal. Sua escassa filmografia, logo, deixa como questão para o espectador suas motivações.

Por isso, minha enorme dificuldade para imergir na trama de Segundo tempo. Tema do filme: a imigração alemã…; melhor: a família de um imigrante alemão no Brasil. O patriarca, um viúvo idoso, e um casal de filhos com pouco mais de 20 anos.

Logo nas primeiras sequências o pai morre. E o filho, que pouco sabia sobre o pai, é tomado subitamente de curiosidade pelas suas origens alemãs. Essa a premissa que move o filme.

(Por experiência própria minha, já me deparei com filhos de alemães que não têm a menor ideia da região de Alemanha d´onde os pais vieram)

Rumo às origens, na Alemanha

Mas, o que mostra Segundo tempo? O filho, tocado pela curiosidade, com poucos recursos… num impulso, sem saber alemão, arrasta a filha, contra a vontade dela, para Frankfurt. Ela, como o irmão, também não sabe alemão, mas se vira com o inglês e é nessa língua que eles se virarão.

A excitação para descobrir as origens traz algo de obsessão numa aventura sempre perigosa, com o risco de que se desvele o que não se gostaria de saber (a esse respeito, a literatura é pródiga: Édipo e seu trágico destino…). No caso, um imigrante alemão, criança durante a Segunda Guerra, o nazismo e o judaísmo.

É aqui que, para mim, as motivações de Rewald com Segundo tempo entram no jogo. O que os filhos de um circunspecto imigrante alemão no Brasil descobrem sobre o pai na Alemanha? E em que medida o que descobrem tem implicação em suas respectivas vidas?

Teria o filme fundo autobiográfico? Mas, assim sendo, como apreendê-lo com parcos conhecimentos sobre as origens de Rewald? Tivesse ele uma obra vasta e fosse amplamente conhecido, mas não é o caso.

Para o espectador com algum conhecimento da história da Segunda Guerra, por outro lado, as sequências iniciais dão a senha para o que seria desvelado. O pai era judeu. Escondeu isso dos filhos. Durante a guerra ficou órfão. Foi protegido por um professor de matemática. Este professor, nazista, consegui fazer com que o pai, criança, chegasse à Bolívia e depois ao Brasil.

A premissa de Segundo tempo me faz pensar na discrição e pouca loquacidade de imigrantes alemães no Brasil (conheço alguns…). Mas a descoberta das origens paternas pelo casal de irmãos traz tão só a satisfação da curiosidade: descobrem que são… judeus. Ou seja, quando aludi à tragédia de Édipo, não consigo esconder a decepção com o roteiro.

Jovens querem entender quem são, neste filme que caminha incerto por um terreno arenoso.

Ao fim e ao cabo, Segundo tempo se faz com tantas sequências “forçadas” que, para mim, a impressão de um roteiro escrito por estudante de cinema e não um especialista. Provável, claro, sou incompetente para nuances que me caberiam perceber… : não fisguei o que Rewald quis abordar com um tema tão melindroso.

(Hoje, no Brasil, vemos florescerem, de filhos de alemães, movimentos de defesa da ideologia nazista).

Segundo tempo, como muitos filmes da filmografia pós-pandemia, pode passar em brancas nuvens. Mas Rewald roçou, pra mim, num terreno arenoso. E fiquei nas nuvens sobre suas intenções.

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