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Críticas

Dos 3 aos 3

Didatismo e tom professoral não ajudam a narrativa de filme sobre tema tão valioso aos pais de bebês

Por Luiz Joaquim | 05.05.2023 (sexta-feira)

Uma vez entendidas as motivações para a realização de Dos 3 aos 3 (Bra.,2022), documentário de Pablo Lobato, é possível imaginar o tamanho do mercado potencialmente interessado neste filme que investiga o desenvolvimento dos bebês entre 3 meses e os 3 anos de vida.

Se considerarmos a população brasileira nesse faixa etária, com os seus pais ávidos por informações que ajudem a educar suas crias da forma mais adequada, então Dos 3 aos 3 poderia ser um sucesso de público.

Mas não basta, sabemos, que seja lançada no mundo uma obra para casar com uma demanda coletiva [o que não é o caso dos envolvidos nesta produção] para daí termos um campeão de bilheteria instantâneo.

Sendo um filme um produto limitado a uma plateia restrita que estimula outra plateia restrita (e assim segue num crescente exponencial), este mesmo filme só alcançará a totalidade de seu potencial público se ele causar as melhores impressões nos primeiros espectadores. Sejam impressões emotivas ou intelectuais. Se vierem juntas então, será ainda mais exitoso.

Claro que estamos falando de um público espontâneo, e não aquele que vê o filme como uma peça acadêmica, por uma indicação pedagógica. E é provável que Dos 3 aos 3 funcione melhor com esse segundo grupo de espectadores.

Isto porque a estrutura do doc de Lobato (um dos responsáveis pela mineira Teia: Centro de Pesquisa e Produção Audiovisual) se fundamenta no acompanhamento linear de registro e discussões a respeito da evolução do bebê Ravi, no período indicado no título do filme, sob o cuidado e a observação de sua mãe, a pedagoga Bianca Bethonico.

Alicerçando as observações feitas por Bianca a partir do acompanhamento de Ravi, somadas ao que a câmera de Lobato registra, estão as ideias da pediatra austríaca, radicada na Hungria, Emmi Pikler, cuja paráfrase abre as imagens de Dos 3 aos 3, vaticinando: “Observar mais, interferir menos”

Pikler, conta o filme, cuidou e estudou milhares de crianças e amadureceu, após a Segunda Guerra Mundial, uma abordagem dedicada à educação infantil. Estimulava a independência dos bebês e a sua autonomia na resolução de desafios que parecem complexos pela ótica dos adultos, mas são necessários para os bebês ganharam confiança em sua crescente urgência de vencer obstáculos.

Pikler: “Observar mais, interferir menos”

Descrito assim, o doc soa mesmo como um filme imperdível para o público mencionando no nosso segundo parágrafo. E, de fato, são inegáveis as contribuições pedagógicas oriundas do estudo de Pikler. Mas, Dos 3 aos 3 carrega um arcabouço formal um tanto professoral que não colabora para deixar o filme mais próximo da realidade concreta na vida ordinária do brasileiro.

Conduzido quase que inteiramente no ambiente do jardim da infância Ninho – cuja fundadora e diretora (até 2018) é a própria Bianca -, somos apresentados às experiências vivenciadas pelo pequeno Ravi num ambiente aparentemente ideal em termos de infraestrutura. É algo muito longe do que a maioria da população pode experimentar em casa, ou mesmo em creches públicas ou mais populares.

Jardim da infância “Ninho”. Ambiente ideal

Segundo que, evidentemente impactado pela pandemia, o projetor Dos 3 aos 3 precisou readequar-se, indo noutra direção daquela que, imaginamos, seria a ideia original de Bianca e Lobato para o projeto, ou seja, ouvir ou discutir presencialmente o tema com ouras autoridades no assunto para compor a narrativa do documentário.

A readequação pode ser reconhecida nas conversar por videoconferência coletiva com Bianca mostrando para as colegas de lugares distintos o resultado da pesquisa com o filho Ravi, ou citando Pikler, ou simplesmente ouvindo as outras profissionais sobre o que acabamos de ser apresentados por imagens na tela do monitor de Bianca.

A opção estética e narrativa criada por Lobato para esse compulsório contexto de debate online e virtual visto em Dos 3 aos 3 não ajuda na capacidade de sedução que o filme, como obra cinematográfica, deveria ter sobre o espectador.

Didatismo e tom professoral não ajudam a narrativa.

Pelo contrário, ela estabelece um vínculo muito forte com a estética acadêmica de aulas online tão presentes nos anos duros da pandemia, com seus Google Meet e Zoom massacrando os olhos de professores e alunos do mundo inteiro.

Em Dos 3 aos 3 temos, portanto, um filme tematicamente interessante e visualmente desestimulante.

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