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Críticas

Disco Boy

A luz, o som, o conflito humano = Disco Boy

Por Luiz Joaquim | 03.08.2023 (quinta-feira)

Como seria o encontro de um pobre bielorrusso, torcedor de futebol – Alex (Franz Rogowski) -, com um revolucionário da luta armada na Nigéria pela preservação social e ambiental do Delta do Rio Niger –  Jomo (Morr Ndiaye)? E, ainda, com tudo isso passando por boates parisienses pautadas por música eletrônica. 

Mais do que o inusitado de um encontro como este, e dos caminhos percorridos pelos personagens Alex e Jomo em Disco boy (Idem, Ita./Fra./Pol./Bel., 2023), está, no filme, uma sugestão estilística visual e sonora que parece conquistar a todos. E olha que estamos a falar do longa-metragem de estreia do italiano Giacomo Abbruzzenese. 

Premiado pela melhor ‘Contribuição Artística’ em fevereiro último, no Festival de Berlim, Disco Boy é filme para ser ver numa sala de cinema. Por mais boboca e cansada que possa parecer a assertiva, ela irá se configurar como verdade absoluta para aquele que experimentá-lo numa sala de cinema. 

Abbruzzenese demonstra um domínio espacial digno de nota nas opções de enquadramento definidas com sua fotógrafa Hélène Louvart, conhecida pelo ótimo Nunca, raramente, às vezes, sempre (2020). Em particular nas sequências com planos nas supostas selvas da Nigéria e no ambiente noturno das boates. 

Alex (Rogowski) hipnotizado por Udoka (Ky)

A fotografia noturna do filme, em particular, merece destaque também uma vez que Louvart consegue extrair do mínimo, ou melhor, se apropria do mínimo para encapsular, a partir do todo, um conceito humano, ou sobre-humano para seus personagens. Exemplo? 

Quando Jomo, em momento de descontração, em sua aldeia, dança um balé com a irmã Udoka (a linda e talentosa marfinense Laetitia Ky, guardem esse nome), temos as chamas da fogueira por trás da silhueta de Udoka como que flamejando a partir de seu peito. É simples, belo e poderoso em termos de expressar a força daquela mulher. 

Laetitia Ky como Udoka. Guardar esse nome.

Ainda no campo da fotografia, a dupla Abbruzzenese e Louvart deitam e rolam numa experimentação visual que não é nova no universo do audiovisual (quem aí lembra de O predador em 1987?)

A diferença é que, aqui, tal experimentação chega carregada de um sentido narrativo e dramático [mais do que isso, um sentido humano] que faz arregalar os olhos do espectador enquanto está estampada na tela. 

Na selva, lutando. Mas, por qual causa?

A certa altura, num confronto violento entre Alex e Jomo, na selva, à noite, a imagem que temos é a militarizada da visão noturna, com contrastes muito alto de cores, predominando o azul para o frio e o vermelho para o quente. E se o vermelho representa a circulação interna do sangue no corpo humano, sua dissipação representa a chegada da morte. A sacada aqui é coisa de quem sabe muito bem como atrair (e direcionar) o olhar do outro pela imagem. 

Jomo (Ndiaye): Luta eterna pela liberdade

E se a imagem pode hipnotizar o espectador em Disco boy, o som (falaremos mais abaixo) irá ajudar a sugá-lo para o drama interno do protagonista Alex. 

ENREDO – Em viagem de ônibus da Bielorrussia, com o amigo Mikhail (Michal Balicki), para a Polônia, com um visto de poucos dias para acompanhar uma partida de futebol naquele país, Alex e Mikhail escapolem do tour futebolístico para tentar seguir ilegalmente para a França.

O amigo não tem a mesma sorte que Alex, e este vai parar na Legião Estrangeira como último refúgio para se tornar um cidadão francês. Daí não demora até acontecer o fatídico cruzamento de Alex com o destino de Jomo. 

Alex (o ator alemão Rogowski) e Mikhail (Balicki) em busca de uma vida melhor

Seguindo Alex por esse percurso, Abbruzzenese (assinando o roteiro) nos coloca também dentro das problematizações eternas sobre a colônia e os colonizados, além dos aspectos próprios sobre refugiados: pauta urgente em dias atuais.

Mas, voltando ao som em Disco boy – e, um parênteses: com um título assim, o filme já nasce impregnado de expectativas com relação a sua trilha sonora, convenhamos -, a adesão do DJ Vitalic (o francês descendente de italiano, Pascal Arbez) não poderia ser mais assertiva.

Ele funciona aqui como um verdadeiro coautor narrativo, pela vitalidade sonora, com suas ranhuras eletrônicas que sugere sensações, como já dissemos, a um estado psicológico/físico do protagonista. Seja pela fadiga do corpo, pelo sofrimento humano ou pela libertação desse sofrimento. 

(Escute aqui a trilha sonora original de Disco boy)

Curioso destacar como Vitalic apropria-se de algumas opções de sonoridade pouco trabalhada na música eletrônica de hoje, mas já registradas no passado, principalmente na esquecida produção dos italianos Romano Musumarra e Claudio Gizzi, em particular no emblemático álbum Automat , lançado pela dupla em 1978.

Disco boy é, enfim, um filme para ver numa sala de cinema. De preferência bem calibrada em sua projeção de imagem e som (alto). Acreditem.

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