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Críticas

Garra de Ferro

É sobre luta corporal mas é também sobre lutar para sobreviver à opressão de uma pai obcecado. 

Por Luiz Joaquim | 16.02.2024 (sexta-feira)

Quando se imaginava que não teríamos outro filme de luta livre tão tocante como O lutador (2008), do Darren Aronofsky, nos chega – no 7 de março nas salas de cinema do Brasil – Garra de ferro (The Iron Clawn, EUA, 2023), com um protagonismo defendido com unhas e dentes por um irreconhecível Zac Efron. 

É um daqueles personagens ricos para qualquer ator cuja carreira se equilibra sobre bobagens, apoiada em seu charme de galã. Vê-se que Efron aposta aqui, claramente, no papel de sua vida. Isto tendo o Oscar no horizonte – indicação que, a propósito, não aconteceu para o ator neste 2024, assim como não aconteceu para Channing Tatum no também emblemático e esportivo Foxcatcher: Uma história que chocou o mundo (2014).

Na verdade, Garra de ferro, dirigido por Sean Durkin (conhecido pelo revelador Martha Marcy May Marlene), não é sobre luta-livre. Está certo que as ensaiadas refregas entre brucutus num ringue cercado de fãs é o epicentro do terremoto que abala a vida dos protagonistas, mas o que reflete como conflito humano por trás desse teatro de embate corporal é o que interessa a Garra de ferro, assim como era isso que interessava a Aronofsky em seu O lutador

Brucutus sensíveis

E, mais uma vez, é sempre fascinante conhecer de perto um brucutu – homens com massa muscular que beira a deformidade – cuja profissão é bater em outro homem para entreter uma massa enfurecida para, a partir dessa proximidade, percebermos que esse brucutu é uma figura terna. Assim fomos apresentados a Randy, personagem de Mickey Rourke em O lutador, e assim vamos conhecendo Kevin von Erich, personagem de Efron em Garra de ferro.

Kevin é o mais velho de quatro irmãos cujo pai foi um respeitado profissional de luta-livre nos EUA. Com o enredo situado ali no final dos anos 1970 até meados dos 1980, vamos acompanhando a triste trajetória da família Von Erich, inspirada numa história real. 

O pai, Fritz (Holt McCallany, que merecia também uma chance no Oscar, como coadjuvante) nutre uma obsessão que, frustrada em sua carreira profissional, transferiu para os filhos. Fritz decidiu que o maior título do esporte – o cinturão da National Wrestling Alliance (NWA) precisava pertencer a sua família. 

O filme mostra como essa teia de influência e autoridade do pai, com obediência cega praticada pelos quatro irmãos – Kevin, Kerry (Jeremy Allen White), David (Harris Dickinson) e Mike (Stanley Simons) – leva esta família, passo a passo para o caminho da danação, da desgraçada, da tragédia.

Tragédias (no plural) que, na ignorância dos filhos, ou na fé cega que nutrem pela figura do pai, é confundida por todos da família como uma maldição. Algo sobrenatural que se agarrou ao sobrenome ‘Von Erich’.

Família Von Erich: Maldição?

Para o bem da boa apreciação do espectador a Garra de ferro é inteligente não procurar saber, antes da sessão o que se sucede a cada um dos irmãos. 

Melhor saber que o filme nos pega pela mão para nos colocar no seio de uma família cujo amor fraternal, o amor entre irmãos, é quase palpável, com todos eles se apoiando psicologicamente entre si para suportar o peso do pai. 

Em paralelo, Garra de ferro também oferece um bom romance – no encontro de Kevin com Pam (Lily James, do remake fiasco de Rebecca) e bons momentos de pura tensão, com as disputas violentas pelo cinturão da NWA.

Nesse ponto, o das lutas, vale registrar um momento genial na condução de Durkin. Uma vez que sabemos, de partida, que as brigas são encenadas, há uma situação em que Kevin leva uma queda diferente no entrevero e ele demora mais do que o habitual para se levantar. E se levanta, mas de maneira dramática. 

Encenação inteligente, confundindo o espectador sobre a intenção da encenação.

Sadiamente, Durkin nos deixa no vazio aqui. Na dúvida. Kevin estaria, mais uma vez, encenando o sofrimento para valorizar sua volta por cima, para levantar triunfante e encarando o inimigo, ou ele realmente se machucou e está com dor além do suportável, sem encenação? 

Uma mentira bem contada, vale lembrar, é a essência do bom cinema.  

São detalhes que mostram a inteligência deste trabalho não apenas cuidadoso no psicológico de seus personagens, mas também na maneira de nos dar dicas sobre o que é, enfim, a luta-livre.

E finalmente, mas não por fim, Garra de ferro guarda um desfecho realmente comovente em sua condução. Num pulo para o futuro, os filhos pequenos de Kevin ensinam ao agora ‘pai Kevin’ que ele pode ser frágil. Que ele pode demonstrar algo seu que o pai Fritz nunca permitiu. 

De quebra, o filme ainda oferece uma breve sequência final que remete à doutrina espírita e que aqui, em sua capacidade sintética e sem pieguice, coloca no chileno toda a extensão de trabalhos afins, que se esforçam para comover o espectador, como Nosso lar 2. 

Não acreditam? Confiram numa sala de cinema.

 

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