
72º Sydney (2025) – O Agente Secreto
Uma perspectiva de migrante à exibição do premiado filme de Kleber Mendonça Filho no Sydney State Theater
Por Manuela Allain Davidson | 16.06.2025 (segunda-feira)

Em seu circuito internacional, antes de estrear nas salas de cinema do Brasil, em novembro, O Agente Secreto (leia a crítica aqui), de Kleber Mendonça Filho, fez bela campanha no 72º Festival Internacional de Cinema de Sydney, na Austrália. Evento que encerrou ontem (15) no colossal palácio Sydney State Theater. A obra não saiu contemplada com prêmios do festival (confira aqui os vencedores), mas o cineasta já se sentiu premiado com a calorosa recepção de O Agente… por lá.
Uma das alegrias do cineasta pernambucano foi encontrar o diretor australiano Peter Weir e ainda receber dele uma correspondência (veja ao final desse texto) lhe congratulando pelo seu filme a pela linda sessão no State Theater.
Por ocasião da primeira exibição do filme, na quarta-feira passada (11), além de Weir, a jornalista pernambucana Manuela Allain Davidson, residente na Austrália há mais de uma década, registrou não apenas em fotos e vídeo o que foi aquela noite, mas também produziu um texto livre e bem pessoal para o CinemaEscrito a respeito de sua experiência em reencontrar a sua terra natal pelo cinema de KMF, estando cercada por cinéfilos de toda a parte do mundo.
Manu, os leitores do CinemaEscrito agradecem. Seguem, abaixo, suas impressões.
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SYDNEY (Oz.) – Na noite da última quarta-feira (11), a comunidade brasileira em Sydney (Austrália), compareceu em peso para prestigiar a estreia do novo longa-metragem de Kleber Mendonça Filho, O Agente Secreto – uma parceria massa com o Wagner Moura, que deu vida à personagem principal da trama. Os dois, recém-premiados em Cannes (França) pela direção e atuação no filme, respectivamente.

foto: Manuela Allain Davidson
A fila pra entrar no Sydney State Theatre dava volta no quarteirão. Lindo de ver!
Apesar do frio (8 graus), como tantos outros migrantes presentes, eu estava lá, indo ao reencontro de minhas origens. A expectativa de sermos transportados por algumas horas pro nosso Brasil, ouvir a língua, reviver a cultura… porque relembrar é viver. E, puxa, como O Agente Secreto facilitou essa viagem.
Ouvindo as conversas na fila, registrei que os sotaques vinham dos quatro cantos de nosso país. A sessão estava lotada. Talvez algumas cadeiras livres (apesar de eu não ter visto nenhuma), mas a maioria esmagadora das 2.034 preenchidas.
Antes do filme começar a rodar, Kleber subiu ao palco e falou rapidamente sobre o projeto. De como o filme era pessoal pra ele. E que ele esperava que a gente curtisse.
E aqui eu vou tentar falar do filme sem falar do filme pra não estragar as descobertas de ninguém. Mas o filme pra mim, pernambucana como o cineasta, reverberou de uma forma super-pessoal também.
O Agente Secreto deu uma repimboca na parafuzeta da minha cabeça. Quando começou, eu achei que era suspense. De repente virou policial (com corpo estendido no chão, Operação Mão Zuada, perna cabeluda e tudo mais). Depois comédia (a Dona Sebastiana é hilária e arrancou mil gargalhadas da plateia). Depois romance, sei lá.
De repente achei que tava num filme do Tarantino ao invés do KMF. E daí em diante parei de tentar definir o filme e deixar a emoção provocada em mim fluir. Lembrei dos carnavais do passado. De como temia e era fascinada pela La Ursa, quando criança.
Lembrei da primeira vez que fui ao Cinema São Luiz pra ver Os Trapalhões (ou talvez tenha sido Xanadu). Do jeito carinhoso que o pernambucano tem de falar – e também, do jeito intrometido de querer saber e resolver a vida dos outros. Deu uma saudade arretada da familia, dos amigos, das praias barulhentas, dos flanelinhas.
Quando a “viagem” terminou, perguntei ao meu marido australiano o que ele achou. A motivação dele também era de rev(iv)er o Recife no cinema. Ele confessou ter perdido muitos dos simbolismos. Apesar de falar português fluentemente e ter vivido na minha terra natal por alguns anos, o banco de memórias da gente era diferente – e os gatilhos do filme trouxeram outras perguntas e idéias pra mesa.
A perspectiva dele me fez pensar que apesar da legenda, o roteiro de KMF é tão pernambucano que é criptografado num dialeto que legenda nenhuma do mundo vai conseguir traduzir. Mas rendeu muita conversa! Arte tem disso, né? Cada um internaliza e interpreta a seu jeito, com sua própria bagagem, e cada leitura é diferente da outra (até mesmo da de quem primeiro contou a história).
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Abaixo, tradução da correspondência datada da última sexta-feira (13), de Peter Weir para Kleber Mendonça Filho.
“Sydney, 13/06/25
“Querido Kleber,
O Agente Secreto – Classic Cinema. Você leva o seu elenco e sua equipe técnica às alturas. Na plateia, ninguém se mexia enquanto a poderosa atmosfera que você criou tomava conta do vasto espaço que é o State Theatre. Parabéns. Pete”
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