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Críticas

Shrek 2

No mundo desencantado dos ogros

Por Luiz Joaquim | 15.10.2019 (terça-feira)

– publicado em 18 de junho de 2004 no jornal Folha de Pernambuco.

O ogro mais simpático do cinema chega ao Recife um mês após sua estréia nos Estados Unidos, onde já derrubou os poderosos Harry Potter e O dia depois de amanhã, tornando-se o desenho animado de maior bilheteria da história. Shrek 2 (EUA, 2004) aporta agora em sete salas pernambucanas e traz o monstro verde às voltas com uma questão matrimonial: ter de agradar a esposa Fiona com a dura tarefa de encarar os sogros humanos, o rei e rainha do Reino Tão Tão Longe.

Cuspindo sátira para todos os lados e atirando ironia a partir de situações e personagens do mundo real (Michael Jackson, Príncipe Charles…), o desenho da DreamWorks SKG (Spielberg, Katzemberg e Geffen) cumpre a promessa, com competência, de proporcionar novas risadas tanto em adultos quanto em crianças. Pedir que esta seqüência viesse com o mesmo impacto que o primeiro filme seria uma inocência, pois quando veio ao mundo, Shrek (2001) trazia ao público uma proposta nova e audaciosa: tirar sarro descarado de todos os personagens politicamente corretos dos clássicos contos de fadas.

Como se não bastasse, a primeira história do feioso ogro dava margem para transmitir, com muito humor e sem pieguice, a já cansada mensagem que o importante é a beleza interior. Hoje, Shrek virou referência entre os outros desenhos, como o exemplo de maior escracho no mainstream hollywoodiano. Sua seqüência chega inteligente, realçando a graça dos feiosos e o cômico nos belos.

Essa parece ser a estratégia mais eficiente (e sutil) do filme, uma vez que a maioria dos espectadores não é perfeitamente bela, como os príncipes e princesas. A identificação e simpatia da platéia ficam, assim, mais voltadas para o carma dos ogros – criaturas que vivem isolados por não se encaixarem num padrão de beleza.

Em Shrek 2, mais uma vez o mote é a defesa do amor desinteressado por qualquer tipo de beleza e, mais uma vez, questões estéticas vêm incomodar o monstro verde. Depois que chega ao Reino Tão Tão Longe, acompanhado da esposa, Shrek (voz de Bussunda / Mike Myers no inglês) cai numa armadilha bolada por uma Fada Madrinha gorduchinha e louca por doces (mas sempre preocupada com sua dieta). Ela gostaria de ver Fiona casada com o filho, o Príncipe Encantado (Ruppert Everet) – uma espécie de Brad Pitt mimado. O Rei de Tão Tão Longe (John Cleese), que já havia prometido Fiona a Encantado, ajuda a Fada Madrinha em seu plano.

Ao lado de Shrek está o Burro (Eddie Murphy) que fica enciumado de um novo companheiro de briga que se une à dupla. Trata-se de um Gato de Botas (Antonio Banderas). O ciúme do Burro não é sem razão. Por pouco ele não é ofuscado pelo charme do Gato, com seu sotaque espanhol e perigoso cinismo.

De resto, nada é poupado pelo roteiro de Shrek 2. A começar pelo reino de Tão Tão Longe, uma referência aberta à fogueira das vaidades que é Hollywood – com direito a citações a premiação do Oscar e aos noticiários policiais da TV norte-americana, caçando marginais ao vivo. Personagens sagrados do imaginário infantil também sofrem. Sobre o Pinóquio, por exemplo, ficamos sabendo que ele não é exatamente um boneco, mas uma boneca. A trilha sonora incidental também guarda agradáveis lembranças, principalmente para quem já passou dos 30 anos. Tom Waits (Little drop of poison), Lips Inn (Funktown) e a banda Chic (Le fric) estão lá, tocando no mundo desencantado de Shrek.

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