
Uma Batalha Após a Outra (texto #2)
Estreia hoje no Brasil o primeiro “melhor filme de 2025”
Por Luiz Joaquim | 25.09.2025 (quinta-feira)

Melhor filme do ano? Uns dirão sim, outros não. O bacana, entretanto, em Uma batalha após a outra (One Battle After Another, EUA, 2025) é que aqueles que dirão “sim” estarão exultantes quando este novo Paul Thomas Anderson estiver entre os principais indicados ao Oscar 2026, e aqueles que dirão “não” também vão aprovar e curtir a indicação.
Mas… por que mesmo tanto frisson sobre o filme? Não é tão simples de sintetizar, mas um bom indicativo está no roteiro mirabolantemente fazendo sentido que nos arremessa na cara o atual status peçonhento em que se encontra a nossa sociedade. Em particular The United States of America, sob a batuta de Donald Trump, quando o assunto é racismo, imigração, identidade de gênero ou qualquer outro algo que ameace a “pureza” da não-branquitude norte-americana.
Nele, no roteiro escrito por Anderson – e inspirado no livro de Thomas Pynchon (do qual Anderson também adaptou Vício inerente – há ainda espaço para a cretinice no sufocado desejo sexual do racista por mulheres pretas e, ainda, para a delicadeza e a incansável força da paternidade quando o assunto é o bem da cria.
Como o enredo resolve tudo isso? Temos quatro personagens centrais nos levando junto com eles nessa complexa e divertida luta contra o “Sistema”. O casal Bob (Leonardo DiCaprio) e Perfidia (Teyana Taylor) integram o grupo revolucionário “French 75”. Entre invadir prisões federais para salvar imigrantes ou explodir bancos para bagunçar a lógica capitalista, eles tentam, repito, tentam, administrar um tesão sexual descontrolado que um sente pelo outro.

Perfídia ( ), a revolucionária desejada por todos.
Na cola do “French 75”, e secreta e sexualmente babando por Perfídia, está Steven J. Lockjaw – Sean Penn, este sim, com o Oscar 2026 de coadjuvante automaticamente indo para a sua prateleira. Ele é o coronel do exército responsável pela captura dos revolucionários e representa o mais baixo, ou melhor, aquilo que está abaixo do mais baixo lixo humano já surgido no mundo.
E, vale repetir, Penn constrói seu monstrinho com uma maestria quase científica. Em outras palavras, o ator chega num tipo de performance que parece afinar instinto e racionalidade – dois condimentos opostos, portanto – como poucos conseguem. O resultado faz o espectador perceber Lockjaw pelo asco natural que criaturas assim provocam, mas, ao mesmo tempo, o talento de Penn e o roteiro do filme deixam brechas para rirmos da pequeneza estúpida do personagem – mas sem nunca nos deixar esquecer que figuras como ele estão no nosso mundo real, num contexto sem espaço para risadas. Observe o leitor, portanto, o tanto de sutilezas que Uma batalha… nos entrega.

Penn como Lockjaw: monstro maestralmente calculado em sua performance
Pulamos 16 anos no tempo e temos a quarta personagem pilar da história, a adolescente Willa (Chase Infiniti), filha de Bob, que funciona como ponto de convergência trazendo o passado de Perfídia, Bob e Lockjaw para um mesmo elo no presente.

A jovem Willa (Infiniti): onde todos se encontram
Dizer mais estragaria a surpresa de apreciar no cinema a inteligência criada pela narrativa de Anderson. Qualidade que passa pela ironia não apenas dos diálogos, mas também por uma sapiência cinematográfica em como filmar cenas de ação. A perseguição no final do filme, mesclado a paisagem no resultado da correria, é já antológica.
E há, ainda, a debochada forma como o filme apresenta o destino de personagens como Lockjaw, que se repetem na história. Seja pela ideologia nazista, há quase 80 anos, seja pelos dias de hoje, com a supremacista ideia do “Make América White Again”.
Curiosidade: DiCaprio tem soado como um Selton Mello norte-americano, seja lá o que isso signifique – muito embora vendo Uma batalha… a comparação faça claro sentido.
DiCaprio segura a onda muito bem de seu desesperado Bob. É um ótimo ator e ponto, mas uma certa repetição na escolha por personagens que chegam na beiradinha do precipício do desespero tem marcado sua persona nas telas. Em alguns momentos, o modo de expressão de exasperação e agonia de seu Bob lembram, para citar apenas um exemplo, a exasperação e agonia de seu Dr. Randal Mindy em Não olhe para cima.

DiCaprio: Sempre muito bom, mas muito próximo do “mesmo”
Na mesma pegada está Benício Del Toro, casando perfeito (mas de maneira previsível) no seu personagem em Uma batalha… : o professor de artes marciais, relaxadão e gente boa, chamado de “Sensei Sérgio”. Respire como “ocean waves”, aconselha ele ao sempre agoniado amigo Bob.
Melhor para a não tão conhecida Shayana McHayle como a revolucionária “Junglepussy” que tem bons momento no filme e cujo nome serve de mote para uma piada machista da supremacia branca que Lockjaw tanto sonha integrar.
E que trilha-sonora! Quase um personagem em si, mas sem soar over no todo. O compositor Jonny Greenwood, velho parceiro de P.T. Anderson, dá o tom perfeito ao caos que é a vida de Bob e Perfídia. Os ruídos quebradiços e desconformes são a expressão exata do que é o desregramento na vida daqueles personagens. O que nos remete a ideia de que se Anderson fosse escolher um compositor brasileiro para cobrir seus filmes, ele certamente seria o Rogério Duprat.
Enfim… há muito ainda a falar (bem) de Uma batalha após a outra. E se falará.
Que bom.
— x X x —
Leia também crítica de Yuri Lins para Uma batalha após a outra
0 Comentários