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Críticas

Sal de Prata

Aula de cinema… boa para gazear

Por Luiz Joaquim | 23.03.2006 (quinta-feira)

O prólogo de “Sal de Prata” (Brasil, 2005) é um primor. Ali, Camila Pitanga olha para a câmera e discursa sobre as possibilidades da classificação etária de um filme à medida que vai ficando sexualmente excitada. A cada nova informação, quase acadêmica, sobre os critérios dessa definição de classificação, a atriz geme mais alto e de forma mais convincente.

Com este início, o diretor gaúcho Carlos Gerbase convida o espectador a pensar: hum, aí vem um filme inteligente, crítico. Mas a chegada não se concretiza. O que vem mesmo, na seqüência, é a sensação que ali estava um produto de uma autoconfiança quase destrutiva de sua superioridade fílmica e como narrativa cinematográfica. Temos um filme, em uma palavra, pretensioso. O que é lamentável considerando os trabalhos de Gerbase, principalmente os dos anos 80, marcados particularmente pela despretensão e, talvez por isso, tão encantadores.

No enredo de “Sal de Prata”, temos uma gélida executiva (Maria Fernanda Cândido) como núcleo de uma trama a respeito de um incompleto roteiro de um longa-metragem deixado pelo seu recém-falecido namorado (Marcos Breda). O personagem de Cândida, totalmente estranha ao universo do ex-namorado, decide levar o projeto adiante e aí tem início os diversos vai-e-vem na narrativa.

Se Gerbase intencionava demonstrar um virtuosismo como roteirista, o tiro saiu pela culatra uma vez que as elipses são confusas demais para atingir o público médio, e manjadas demais – cansativas, inclusive – para quem tem intimidade com cinema.

Um elenco problemático (que conta ainda com o pernambucano Bruno Garcia) acentua ainda mais a fragilidade de “Sal de Prata”. Uma seqüência que seria importante mostra vários cineastas discutindo uma questão juvenil – ou pelo menos, discutindo de forma juvenil – que é a importância do sal de prata, uma substância química utilizada em película de cinema para deixá-las sensíveis à luz.

A briga, que termina com um ataque cardíaco do personagem de Breda, deveria chamar a atenção para o fim dos filmes em película e a crescente produção de filmes no formato digital. Mas do jeito que está lá, sanguíneo, soa bobo e, o mais sério, desinteressante para aquele espectador que não seja um estudante de cinema.

A personagem de Cândido serve exatamente como uma ‘voz’ ao espectador comum, ignorante aos termos e às estratégias cinematográficas para se fazer um filme. Com suas perguntas inocentes sobre ‘plano aberto’, ‘plano americano’, ‘externa’, ‘fade in’, contidas no roteiro inacabado do namorado, Gerbase quer dar dicas e orientações ao seu espectador sobre peculiaridades do cinema. Aparentemente, o respeitável Gerbase esqueceu que aula de cinema funciona melhor numa sala universitária. Numa sala de cinema o bom mesmo é ver uma trama que, de alguma forma, perturbe a alma humana.

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