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Críticas

Cartola: Música para Os Olhos

O fino do samba… para ver.

Por Luiz Joaquim | 19.04.2007 (quinta-feira)

Sem afetação visual. Sem apelação emotiva. Apenas
preciso na mensagem e sincero com seu objeto. É o que
se pode dizer, sem medo, de “Cartola: Música para os
Olhos” (Brasil, 2007), documentário realizado, a
princípio por encomenda do Instituto Itaú Cultural,
pelos pernambucanos Hilton Lacerda e Lírio Ferreira,
que estréia hoje no Recife, com projeção digital no
Cinema da Fundação.

Na realidade, os realizadores compuseram uma obra que
desenha um retrato possivelmente bem próximo da
personalidade de Angenor de Oliveira, o Cartola,
talvez o maior poeta de nosso Samba. Uma figura doce e
dotada de um altruísmo impar, como diz Carlos Diegues,
que o dirigiu em seu primeiro longa-metragem, “Ganga
Zumba” (1963).

“Cartola”, o filme, é dotado de uma competente
pesquisa (que inclui o nome de Beth Formaggini) e um
espetacular acervo iconográfico, que mostram desde de
fotos do casamento do sambista com dona Zica até as
imagens de seu funeral em 1980, passando por
interpretações nas quais o próprio artista canta com o
violão “O Mundo É Um Moinho” para seu irrequieto e
contemplativo “pai”. Já é o bastante para chorar.

À propósito, Hilton e Lírio foram aqui bastante
amorosos – e isso não é um problema – com o cinema
brasileiro e com o seu cinebiografado, ou vice-versa.
Acontece que uma, entre diversas opções geniais para
contar esta história visual, é a utilização de imagens
de clássicos do cinema nacional, como “Rio 40 Graus”
(1956) ou “O Desafio” (1967) entre outros, para
preencher situações da vida do poeta que não possuíam
registro audiovisual mas que aqui são contadas por
amigos (Nelson Sargento, Zé Keti, o cartunista Lan,
etc.). Histórias extraídas tanto de captações
contemporânea quanto outras raras de arquivos de TV.

Também apoiado apenas com imagens documentais de
arquivo, Lírio e Hilton vão dando o passar do tempo na
vida do poeta sem a menor necessidade de indicar datas
na tela, como é a costumeira obviedade cansada de
alguns documentários brasileiros. Outro momento de
audácia está no enegrecimento completo da projeção
para o espectador apenas ouvir em off depoimentos que,
ainda na juventude, depois de uma decepção, Cartola
havia sumido da Mangueira, dos amigos, de todos, para
depois aparecer como zelador e lavador de carro.

Seja pelo silêncio que impõe ao funeral do poeta, seja
pela colagem que forma um caleidoscópio de imagens de
arquivo bem encadeadas, seja por uma tonalidade feliz
e ao mesmo tempo melancólica que forma o filme, em
comunhão com a do próprio sambista, “Cartola – Música
para os Olhos” resulta num delicioso e lírico mergulho
no universo deste mestre da música, autenticamente
brasileiro.

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