X

0 Comentários

Reportagens

Degolando pela internet

O eterno jovem de nossa pop-filosofia de cada dia

Por Luiz Joaquim | 16.04.2007 (segunda-feira)

‘Intelectual’ é a palavra mais comumente associada a
Jomard Muniz de Britto (JMB), um jovem senhor que
agita a comunidade cultural pernambucana com a mesma
perspicácia e agudeza que fazia há mais de 50 anos.
Hoje, aos 70 anos, a sua produção audiovisual – que é
um entre vários de seus tentáculos na expressão
artística (poesia, literatura, dramaturgia) – volta a
chamar atenção graças a Ricardo Maia, mestrando em
comunicação pela UFPE. Há exatos 14 dias, o estudante
disponibilizou no website “YouTube” dez filmes
realizados por Jomard dando uma visibilidade inédita e
irrestrita à obra desse eterno irrequieto
pop-filosófico.

“Conheci Jomard ainda na minha graduação e em 2006
trabalhamos juntos no nosso grupo musical, Comuna,
cujo álbum intitulado ‘JMB em Comuna’ pode ser baixado
no nosso blog: http://comunablog.blogspot.com”,
comenta Ricardo. No mesmo site é oferecido vídeoclips
feitos pelo estudante com colagens dos filmes de
Jomard. O objeto de pesquisa da sua dissertação foca
exatamente a obra audiovisual do realizador “sempre
transgredindo, quebrando tabus e provocando”, explica
o jornalista.

Ao receber a reportagem da Folha em seu apartamento no
bairro da Boa Vista para comentar a novidade, Jomard,
em poucos minutos de conversa, mostra porque é correta
a correlação de sua pessoa à palavra ‘intelectual’.
Vigiado por Corisco, no cartaz de “Deus e O Diabo na
Terra do Sol”, embelezado por dezenas de fotografias e
pinturas, e cercado por uma colossal e invejável
biblioteca, JMB destaca que “a grande utopia do
Tropicalismo, que era a liberação geral, foi realizada
pela Internet. É a cultura democratizada”. Mesmo sem
ser, ele mesmo, um navegador digital, o poeta brinca
com este início da redescoberta de seus filmes via
YouTube: “Por agora devo ser mais importante que a
Cicarelli”.

Entre os dez filmes dispostos no site – dos mais de 30
com a grife JMB, feitos a maioria no formato Super –
está o já clássico e polêmico “O Palhaço Degolado”
(1976). Ali, como diz o próprio autor, na Casa da
Cultura, “o palhaço-deseducador (o próprio Jomard)
discursa sobre grandes mestres – de Gilberto Freyre a
Paulo Freire”, e “o movimento Armorial recebe satírica
homenagem, além de outras expressões culturalistas”.
De uma forma generalizada, o artista explica que sua
atuação nos filmes sempre foi mais ideativa. “Foi
(Antônio) Cadengue quem primeiro disse que minhas
filmagens eram performáticas. Houveram três homens
fundamentais na minha vida cinematográfica: Carlos
Cordeiro, Rucker Vieira e Lima. Eram eles que pensavam
e davam as soluções para a fotografia nos filmes.
Lima, inclusive, montava e sonorizava. Foi uma figura
essencial no período superoitista pernambucano”,
ressalta.

Apesar de deixar marcas profundas no cenário
audiovisual (e literário, e poético, e teatral, e
filosófico) do Brasil, JMB se diz um amador. “Amador,
como um contra-burguês, tal diz Roland Barthes; e um
amador, como um incompetente, tal diz o senso comum”,
explica. “Comungo a anti-ambição de ser um cineasta
profissional. Minha único atuação profissional foi
lecionar”, diz o ex-professor da UFPE e UFPB.
Foi inclusive a partir da observação de sua colega, a
professora Astrogilda de Carvalho Paes de Andrade, no
princípio dos anos 1970, que Jomard piscou para
tentação de fazer filmes. “Eu mostrava em minhas aulas
uma montagem de slides com um pout-pourri musical de
fundo, quando ela disse que aquilo parecia um filme de
(Jean-Luc) Godard”. Daí a realizar as primeira
experimentações em 1974 com o grupo olindense
Vivenciar – “a mais intensa atividade tropicalista em
Pernambuco” – foi um pulo.

Agora, com os filmes na Internet, esse e outros
universo co-pensados por Jomard podem ser revisitados
e relidos com a perspectiva “pós-tudo” de hoje, como
diz o intelectual. O endereço para acessar o domínios
de Jomar na internet são
(www.youtube.com/profile?user=Fragmentes) e
(www.myspace.com/jomardmuniz).

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

JMB NA INTERNET

– “Aquarelas do Brasil I” (2005) – Primeira das três
versões, na qual, diante da Coluna de Cristal de
Francisco Brennand, o ator Vavá Paulino ensaia uma
dança extemporânea.

– “Aquarelas do Brasil II e III” (2005) – Segunda e
terceira versões de um texto sobre o abismo do Brasil
contemporâneo, utilizando-se fragmentos de filmes em
Super-8: “Olho Neles, Glauber por ele mesmo” e
“Noturno em Ré-cife Maior”. Realizado em parceria com
Edson Vilar.

– “Vivencial I” (1974) – Pela câmera Super-8 de Carlos
Cordeiro, uma trupe de atores do Teatro Vicencial de
Olinda, exercita o mito da androginia. Nas escadarias
da Igreja de São Pedro, um simulacro de orgia
místico-pedagógica.

– “Uma Experiência Didática” (1974) – Visão
totalizante e fragmentada de corpos. Uma sala de aula
imaginária. A nudez sensitivo-pedagógica.

– “Toque” (1975) – Transpirado na música de Caetano
Veloso, “Pelos Olhos”, uma elegia ecológica no corpo
de uma atriz e dois atores. A inocência glamourosa da
nudez.

– “Inventário de Um Feudalismo Cultural” (1978) –
Ensaio de crítica da cultura percorrendo monumentos,
academias, palácios e fundações entre o Recife e
Olinda. Intervenções do Grupo Vivencial.

– “Jogos Frutais Frugais” (1979) – Dialogando com
pinturas de Sérgio Lemos em ambientação de frutas, a
atriz Ivonete Melo, com seu rosto de diva de cinema
clássico, exercita entre moscas o princípio do prazer.

– “O Palácio Degolado” (1976)

– “Tao e Tão: Quem É Ela” (1996)

Mais Recentes

Publicidade